Considerações sobre acumulação de cargos públicos
Renata Cavalcante Scutti
Advogada
Antes de se fazer qualquer consideração é preciso observar o que dispõe o inciso XVI, do art. 37 da Constituição Federal:
“Art. 37. omissis.
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observando em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;”
É possível observar que não é permitida a acumulação de dois cargos técnicos, nem de um cargo técnico com outro cargo privativo de profissionais de saúde.
A propósito, o sistema constitucional como um todo opõe-se às acumulações de cargos públicos. Dessa forma, o silêncio na regra de acumulação não significa consentimento, pois toda a acumulação há de ser expressa.
Nesse sentido, as excepcionalidades em matéria de acumulação de cargos públicos são as seguintes, senão vejamos:
i. Dois cargos de Professor;
ii. Um cargo de Professor com outro técnico ou científico;
iii. Dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas.
Uma vez definidas as exceções, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seu Título IV, Capítulo III, só trata do tema da acumulação, estabelecendo os parâmetros a serem considerados quando essa situação excepcional se configurar.
“Art. 3o Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão”.
Não há precisão com relação à definição do que seja um cargo técnico ou científico, o que provoca algumas dúvidas.
No que tange ao cargo ser ou não de técnico, ressalta-se a exigência de preparo técnico especializado.
O Governo do Estado do Mato Grosso, tendo em vista tal imprecisão, baixou o Decreto nº 1.282, de 11 de março de 1992, que assim estabelece:
“Art. 2º (…)
§1º Considera-se cargo técnico ou científico, nos termos do inciso XVI, alínea "b", do Art. 37 da Constituição Federal, aquele para cujo exercício seja indispensável e predominante a aplicação de conhecimentos científicos obtidos em nível superior de ensino.
§2º Também pode ser considerado como técnico ou científico o cargo para cujo exercício seja exigido a habilitação em curso legalmente classificado como técnico, de grau ou de nível superior de ensino.
§3º Os cargos e empregos de nível médio cujas atribuições detenham característica de "técnico", poderão ser acumulados com outro de magistério, na forma do inciso XVI, alínea "b", do Art. 37 da Constituição Federal.
§4º Os cargos e empregos de nível médio, cujas atribuições se caracterizam como de natureza burocrática, repetitiva e de pouca ou de nenhuma complexidade, não poderão, em face de não serem considerados técnicos ou científicos, ser acumulados com outro de Magistério”. (grifamos)
Entende-se que tal diploma legal é dotado de toda pertinência, tendo em vista a situação de dúvida que foi gerada pela falta de conceituação legal de tais cargos.
Em sede do Mandado de Segurança nº 1998002000077-0, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios assim definiu o cargo técnico como “aquele de nível médio ou superior ao qual se atribuam atividades de natureza executiva, de média ou alta complexidade e/ou especialidade, cuja execução demande do seu titular razoável grau de independência e discricionariedade”.
A Secretaria de Recursos Humanos, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, órgão responsável pela elaboração de normas e definição de procedimentos que devem ser observados pelas áreas de recursos humanos de toda a Administração Pública Federal, assim conceituou o cargo técnico:
“Cargo ou emprego denominado técnico, são aqueles para cujo exercício seja indispensável a aplicação de conhecimentos específicos, inclusive com aplicação de métodos científicos, de grau de complexidade superior. Cargo ou emprego que apresentem atribuições repetitivas, de natureza burocrática, não se inserem no contexto de técnico”.
Cumpre observar que não há diferenciação quanto ao fato de o cargo a ser acumulado ter caráter efetivo ou em comissão, o que diz respeito à forma de provimento do cargo e não à sua natureza.
A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, veda a acumulação de dois ou mais cargos em comissão, mas não traz nenhum óbice à acumulação de um cargo em comissão com outro cargo de natureza diversa, desde que comprovada a compatibilidade de horários, senão vejamos:
“Art. 119. O servidor não poderá exercer mais de um cargo em comissão, exceto no caso previsto no parágrafo único do art. 9o, nem ser remunerado pela participação em órgão de deliberação coletiva.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à remuneração devida pela participação em conselhos de administração e fiscal das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, bem como quaisquer entidades sob controle direto ou indireto da União, observado o que, a respeito, dispuser legislação específica.
Art. 120. O servidor vinculado ao regime desta Lei, que acumular licitamente dois cargos efetivos, quando investido em cargo de provimento em comissão, ficará afastado de ambos os cargos efetivos, salvo na hipótese em que houver compatibilidade de horário e local com o exercício de um deles, declarada pelas autoridades máximas dos órgãos ou entidades envolvidos”. (grifo nosso)
Ao se deparar com uma hipótese de acumulação de cargos públicos, primeiramente a Administração Pública deve verificar se essa está de acordo com as excepcionalidades definidas no texto constitucional.
Advirta-se que, a acumulação lícita de cargos exige que se atenda o requisito da compatibilidade de horários.
Nesse sentido, assim dispõe a Lei nº 8.112, de 1990, in verbis:
“Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
§ 1o A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.
§ 2o A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.
§ 3o Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade”. (grifamos)
A compatibilidade de horários fica configurada quando houver possibilidade de exercício dos dois cargos, funções ou empregos, em horários distintos, sem prejuízo de número regulamentar das horas de trabalho de cada um, bem como o exercício regular das atribuições inerentes a cada cargo.
A Advocacia-Geral da União - AGU firmou entendimento no bojo do Parecer n° GQ - 145, publicado no Diário Oficial de 1° de abril de 1998, pela ilicitude do acúmulo de dois cargos ou empregos públicos de que decorra a sujeição do servidor a regimes de trabalho que perfaçam o total de oitenta horas semanais, sendo a compatibilidade de horários admitida quando o exercício dos cargos ou empregos não exceda a carga horária de sessenta horas semanais.
Conclusão:
Em suma, verificou-se que a regra é a inacumulabilidade, de modo que restrita há de ser a interpretação que se deve dar às suas exceções.
Observa-se que a regra é vedativa e os seus destinatários são os cargos públicos efetivos em geral, incluindo-se os cargos em comissionamento.
A acumulação também sugere uma reflexão sobre a tecnicidade dos cargos ou empregos públicos, aspecto determinante na definição das excepcionalidades.
Bibliografia:
· BRASIL. Constituição Federal, de 1988.
· BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
· BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI-AgR 495967/SP - SÃO PAULO. AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. Carlos Velloso. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 03-12-2004 PP-00044 EMENT VOL-02175-08 PP-01469.
· BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 50344/GB - GUANABARA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. Ribeiro da Costa. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 18-10-1962 PP-03049 EMENT VOL-00518-14 PP-05409.
· DINIZ, Paulo de Matos F. Lei nº 8.112/90 – Regime Jurídico Único. Atualizada, Comentada, Manualizada, Revisada, com atualização via Internet. 9ª edição. 2006. 927p.