Breve análise do desenvolvimento histórico dos direitos da personalidade humana.
Por: Bianca Helena dos Santos -
Estudante do 10º Semestre de Direito das Faculdades Jorge Amado.
Os Direitos Fundamentais do Homem, resultantes de um longo processo evolutivo, contou com árduas batalhas e intensos conflitos sociais. Dentre esses direitos encontram-se aqueles voltados à própria condição humana, os direitos da personalidade.
Em todas as civilizações, inclusive naquelas onde já existia um esboço de democracia, nem sempre foi garantido ao homem a tutela efetiva de seus direitos individuais, por não se reconhecer plenamente sua personalidade. A conquista destes direitos sempre se deu a partir de constantes atritos com o poder estatal vigente.
O poder estatal, que por muito tempo não se submetia as norma vigentes, que tudo podia e a todos comandava, foi aos poucos cedendo espaço para o exercício das liberdades individuais. O apogeu histórico deste fato se deu com a Revolução Francesa e seus ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Sendo assim, aos poucos foi tendo sua atuação limitada e passou a ser garantidor desses direitos individuais.
Entretanto, com o passar do tempo, os cidadãos perceberam que não bastava limitar o poder estatal e exigir a produção de leis que tutelassem os seus direitos. Notaram que a liberdade que buscavam sempre foi fruto de suas lutas, e estas jamais deixariam de existir, por serem primordiais ao seu reconhecimento e efetivação.
No Brasil o processo não foi diferente do resto do mundo. Aqui também foram travadas lutas em prol dos direitos e garantias individuais. A Constituição Federal de 1988 é o marco desta luta e traz em si o bojo destes direitos, tão fundamentais, que receberam um tratamento diferenciado, qual seja: a elevação ao status de cláusulas pétreas.
Tamanha importância possui o conjuntos dos direitos e garantias fundamentais que, imodificáveis, nem mesmo através de uma Emenda Constitucional poderão ser alterados (artigo 60, parágrafo 4°, inciso IV da Constituição Federal).
Antes de alcançarem o texto constitucional, os direitos fundamentais percorreram longo e árduo percurso. Todavia, antes de percorrer seu desenvolvimento histórico é importante tratar de sua denominação. Isto, porque as denominações Liberdades Públicas, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, são utilizadas no meio jurídico como sinônimos dos direitos pertencentes ao cidadão frente ao poder estatal.
A expressão que melhor se coaduna com o conteúdo desses direitos é ‘Direitos Fundamentais’, pois o termo “direito” é mais abrangente, englobando todas as imunidades que o cidadão tem em relação ao Estado, além daquelas que exigem a presença mais efetiva do Estado nas relações entre os governados.
Além deste motivo, Vidal Serrano, em sua obra ‘A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística’, acrescenta que a expressão fundamental remete a proximidade destes direitos ao próprio conceito de vida humana digna, “como também faz deles depender a existência do estado de direito”. [1]
Os primeiros registros históricos acerca da existência de direitos do indivíduo remontam ao antigo Egito e Mesopotâmia, que revelaram, ainda que inconsistentemente, certo tratamento e regulamentação a eles voltados. Nesta acepção escreveu John Glisse, citado por Sidney Guerra:
Os mais antigos documentos escritos de natureza jurídica apareceram nos finais do 4° ou começo do 5° milênio, isto é, cerca de 3000 da nossa era, por um lado o Egito, por outro a Mesopotâmia. [2]
Na civilização egípcia já havia um arcaico aparelho legal que se aproximou a um modelo individualista, mais além chegou a Mesopotâmia, onde foram encontrados textos jurídicos similares a códigos. Todavia, o Código de Hamurábi (1690 a.C.) seria “a primeira codificação a consagrar um rol dos direitos comuns a todos os homens [...], prevendo a supremacia das leis em relação aos seus governantes”. [3]
Na sociedade grega, embora não houvesse reconhecimento da subjetividade de cada pessoa, como titular de direitos devidos pela sua mera existência, o pensamento acerca do indivíduo estava permeado com outros fatores, como a natureza e a fatalidade. Vale frisar que a pessoa humana só teve sua subjetividade reconhecida a partir do Cristianismo, que aproximou os mortais ao divino.
Na civilização ateniense havia um diferencial no quesito legislação, visto que, opostamente ao verificado nas demais civilizações da Antiguidade, a forma democrática de elaborá-las. Sobre as leis gregas pondera Sidney Guerra:
As leis gregas, a partir do século VI a C, mais precisamente as de Atenas, diferenciavam-se das demais leis da Antiguidade por serem democraticamente estabelecidas. [4]
O autor prossegue asseverando que foram os sofistas que “trouxeram as indagações a respeito das leis humanas para o campo da vontade do homem”, o que levou a um processo de maior perquirição do “mundo das normas de conduta” do homem. A filosofia grega nasce, justamente, da necessidade de superar o pensamento mítico
Mister se faz frisar alguns pontos acerca dos sofistas, que surgiram em meio da realidade social ateniense em seu apogeu. Podem ser caracterizados como professores populares de filosofia, e, mais ainda, como se percebe a partir dos ensinamentos do Padre Leonel Franca S. J.:
Mais retóricos que filósofos, argutos, artificiosos e eruditos, ensinavam à juventude ateniense, atraída pelos encantos da eloqüência, com a arte de defender o pró e o contra de todas as questões, o segredo de tirar partido de qualquer situação, galgando as mais elevadas posições numa democracia volúvel e irrequieta. Serviam-se das armas da razão para destruir a própria razão, e, sobre as ruínas da verdade, erigir o interesse em norma suprema de ação. [5]
Os sofistas, como ensina o doutrinador retro citado, trouxeram à filosofia uma verdadeira expansão do seu campo de indagações, ao analisar as escolas anteriores e permitir aos filósofos posteriores partir da pesquisa dos métodos dialéticos. Ainda que houvesse dentre eles a investigação sobre a igualdade, estavam longe do humanismo. [6]
O período compreendido entra ao nos de 450 a 300 a.C. foi marcado por três pensadores que com suas obras e teses levantadas significaram o auge da filosofia grega: Sócrates, Platão e Aristóteles.
Como não deixou suas idéias em escritos, tudo que se tem notícia, nos dias atuais, sobre Sócrates se deve aos seus discípulos, dentre eles, e, talvez o mais ilustre, Platão. Para a filosofia socrática “o perfeito conhecimento do homem é o objeto de todas as suas especulações e a moral, o centro para qual convergem todas as partes da sua filosofia”. [7] Estabelece ainda o autor, que, além das leis humanas existe a lei natural, que independe do arbítrio do homem, sendo universal e fonte do direito positivo, por, ser consagrada pelo divino, passada pela voz da consciência.
Acerca de Sócrates se posiciona de Vicente Greco Filho:
Sócrates foi o mestre da razão. Acabou por se afastar dos sofistas, pois defendeu a idéia de que os cidadãos deveriam obedecer as leis, mesmo que injustas, para a própria garantia do Estado e, consequentemente o equilíbrio social. [8]
Para o discípulo mais célebre de Sócrates, o mundo das idéias seria a verdadeira realidade, enquanto o defeituoso mundo dos sentidos seria um mero espelho do primeiro. Platão foi o primeiro filósofo a buscar uma sistematização da filosofia, e, arquitetou a tese em que o Estado deve voltar-se a felicidade dos indivíduos, dividindo-o em três classes sociais: os filósofos, os guerreiros e os operários. [9] Idealizou uma sociedade cujo poder seria de forma brilhante dominada pelos pensadores em sua obra ‘Lei’, demonstrou a necessidade de se respeitar o máximo possível a personalidade humana.
Aristóteles, por sua vez, conseguiu assimilar os conhecimentos anteriores acrescendo suas próprias pesquisas e estudos, que versavam sobre as mais diversas ciências. Considerava que o direito deveria se basear em princípios oriundos da ética, concluindo que a felicidade advinda da justiça seria o bem soberano a ser atingido pela humanidade. [10] Sua enorme contribuição no campo do pensamento filosófico teve seu ponto de divergência com o humanismo alavancado pelo Cristianismo quando legitimava a condição de escravo, acreditando-a como natural.
A contribuição da filosofia grega para o desenvolvimento futuro acerca da preservação da personalidade humana frente o poder do Estado é inegável, contudo se embasava mais em julgamentos éticos e políticos que jurídicos, propriamente ditos.
Diverso era o tratamento dado pelos romanos à esfera jurídica que protegia e inseria o cidadão na comunidade. Admitiam que, ao lado de um direito natural, existiam regras voltadas às relações entre os indivíduos além de um elemento comum aos diversos direitos positivos.
A personalidade humana, para os romanos, começava com a junção de alguns aspectos: o nascimento com vida, a existência da forma humana além da perfeição orgânica para continuar a viver.
Não bastavam as causas naturais decorrentes da concepção e nascimento, era necessário também possuir três status: status libertatis, status familiae e o status civitatis. Cada deles indicava a disposição do indivíduo em relação ao Estado (como homens livres e cidadãos romanos) e à família (como pater familias ou filius familias).
Além da figura do cidadão existia o escravo, que considerado como coisa, objeto de direito subjetivo, sofria inúmeras restrições como: impossibilidade de contrair matrimônio de maneira legítima, a proibição de possuir patrimônio, não poderia postular em juízo, além do fato de que seu dono tinha liberdade de vendê-lo ou doá-lo a outrem, desde que não fosse escravo, e, até matá-lo.
Ainda sob a égide do império romano, a Lei das XII Tábuas marcou a origem dos textos jurídicos escritos que pregaram as liberdades e direitos dos cidadãos. Para os romanistas, apenas aos cidadãos era reconhecida capacidade jurídica plena, diferente da personalidade que não era proveniente da lei e era adquirida pelo simples fato do nascimento do ser humano.
O pensamento evocado pelo Cristianismo elevou o tratamento do ser humano a um patamar mais digno, por se tratar, nada menos, daquele feito sob as medidas e imagem semelhantes à Deus, além de divulgar a fraternidade universal. Sobre o que representou o cristianismo para o crescimento das garantias dos direito fundamentais do homem, disserta Sidney Guerra:
[...] o Cristianismo deflagra a compreensão dos direitos do homem na organização política, estabelecendo-se um vínculo entre o indivíduo e a divindade e superando-se a concepção do Estado como única unidade perfeita, de forma que o homem cidadão foi substituído pelo homem pessoa. [11]
O imperfeito Estado da terra era vislumbrado apenas como um estágio para atingir o Estado dos reinos dos céus segundo a doutrina deflagrada por Santo Agostinho, membro da Escola Cristã Patrística. Um pouco mais além foi o mais ilustre representante da Escola Cristã Escolástica, São Tomás de Aquino, que procurava nos seres humanos sua natureza associativa e a possibilidade de constituição de um Estado mais justo. [12] Pelo entendimento de São Tomás de Aquino havia nítida a distinção entre três espécies de leis, a saber: as leis oriundas do divino, as leis naturais imutáveis e as leis dos homens.
O Cristianismo não só aproximou os homens da sua divindade, como também aproximou o estado terreno do reino divino que, por conseguinte, contribuiu para maior valorização do ser humano. Esta valorização da figura humana se relacionava com a consagração dos direitos inerentes aos homens, contudo, o Cristianismo não trouxe à tona os mecanismos através da qual a proteção da personalidade humana seria efetivada.
Na Idade Média, a Carta Magna da Inglaterra em 1215, foi “a primeira manifestação dos direitos da personalidade, ainda que sob a forma de liberdades públicas”. [13] Esta legislação, ao instituir a Monarquia Constitucionalista, implantou a importância de garantir os direitos elementares do ser humano frente ao Estado.
A Magna Carta Libertatum constituiu o momento histórico de transição entre a obediência ao arbítrio dos detentores do poder para uma nova era das garantias individuais, submetendo os primeiros à lei. Como legado, prescreveu sobre alguns importantes institutos como o do acesso à justiça, devido processo legal, a liberdade de Igreja, além da necessidade de se graduar a pena à gravidade do delito. [14]
O Renascimento inicia o arcabouço ideológico das revoluções burguesas do século XVIII. Este período foi posterior a contribuição do pensamento cristão para consagração do individualismo, em especial para a argüição do direito à liberdade religiosa, perante o qual o homem, como semelhante a figura divina, é dotado de racionalidade. Politicamente, após o advento do Cristianismo, há a separação da Igreja do Estado, permitindo ao indivíduo abraçar a atitude intelectual que escolher, seja em relação a um pensamento íntimo, ou a tomada de posição pública.
A fase marcada pelos teóricos contratualistas (entre os séculos XVI e XVIII), que partiam da premissa de que o Estado é proveniente da manifestação contratual da vontade do homem e não da criação de Deus, permitiu a aceitação posterior da idéia de que os próprios homens poderiam reformar este Estado, limitando-o frente as suas próprias liberdades. Este contrato seria o berço das liberdades políticas e dos direitos e deveres dos cidadãos, que não o podem descumprir sob pena de retornar ao estado pre-político, com seus inúmeros inconvenientes.
Influenciados pelo princípio primário da liberdade de consciência elaborado por Rousseau em conjunto com os movimentos originadores da Revolução Francesa, diversas declarações aparecem, todas com função de incluir nos ordenamentos jurídicos a que se destinavam os direitos fundamentais do indivíduo. Dentre elas: a Petição de Direitos de 1629 e o Bill of Rights de 1689. Este prescrevia que ao homem era garantida a sua liberdade, propriedade privada, bem como segurança pessoal. [15]
A Revolução Francesa aliada a Independência Americana, através de suas declarações jurídicas reafirmaram todo o arcabouço das liberdades e garantias individuais prescritas na Magna Carta Inglesa. A Assembléia Nacional Francesa, em 1789, promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que enumera diversos dos direitos fundamentais que hoje fazem parte do rol de cláusulas que a Constituição Brasileira de 1988 adota como imutáveis: a liberdade, legalidade, igualdade, a livre manifestação do pensamento entre outros.
Enquanto a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, texto formal jurídico que revolucionou os direitos humanos no período da Independência das colônias americanas era destinada à classe social dominante, a Declaração Francesa de 1789 era dirigida ao ser humano enquanto gênero. [16]
O período entre o século XIX e o início do XX foi marcado por um maior desenvolvimento dos direitos da personalidade, aliado ao movimento codificador. Tal movimento teve como ponto crucial o Código de Napoleão de 1804, de conteúdo baseado no Iluminismo. Os exegetas da sua época acreditavam que o Código napoleônico não possuía lacunas, sendo completo e absoluto, o que não poderia se verificar na realidade. Além do mais não trazia um enunciado específico para algum dos direitos da personalidade.
A primeira vez que um dos direitos da personalidade foi positivado, especificamente, foi perante a lei romena de 1895, tratando do direito ao nome. Após essa inovação legislativa, outros países também foram se arquitetando no mesmo sentido.
Em 1948, a Organização das Nações Unidas, através da Declaração Universal de Direitos Humanos confirmou o conteúdo dos direitos fundamentais do homem, sendo, posteriormente, aderida por diversas nações por meio de convenções, pactos e tratados internacionais.
Atualmente, a maioria dos países adota em sua legislação garantias dos direitos fundamentais e meios de efetivação destas, resguardadas as suas peculiaridades culturais, históricas e políticas.
No Brasil, o tratamento jurídico que foi dado ao tema, encontra suas raízes no direito português. Com o término da Colonização portuguesa e conseqüente instalação dos sistemas de Capitanias Hereditárias, as Ordenações Manuelinas foram adotadas no Brasil em conjunto com outros documentos legais. [17] O direito português do século XIII era esparso, manuscritos e lhe faltava sistematização. Esta adveio com a promulgação das Ordenações Afonsinas, que foram seguidas por diversas outras ordenações, que a seguir se pode observar.
O marco das Ordenações Afonsinas, que estabeleceu a cláusula geral do direito da personalidade, trazia algumas tipificações de lesões à honra. Apesar deste avanço, ainda possuía em seu bojo aplicações de penas, institutos jurídicos diversos, regulados pela classe social e econômica a que se aplicava.
As Ordenações Manuelinas, datadas de 1521, não trouxe consigo elementos inovadores e significativos na tutela dos direitos fundamentais, em especial, dos direitos de personalidade, apenas revisou e estruturou os institutos jurídicos das Ordenações Afonsinas, sua aplicação e vigência foram prejudicadas pela concorrência com outras legislações difusas..
Em virtude da dificuldade da aplicação da legislação esparsa em conjunto com as Ordenações Afonsinas, que orientava tanto Portugal, como o Brasil, entrou em vigor no ano de 1603, um novo corpo legislativo que recebia a alcunha de Ordenações Filipinas. Estas, também, significaram revisão da antecedente e eram aplicadas em aliança com outras leis, alvarás e decretos.
As Ordenações Filipinas vigeram em todo o período colonial brasileiro, desde sua promulgação até a independência da colônia, e, com o advento da Constituição de 1824, foi determinado que as normas portuguesas atinentes à tutela da personalidade humana continuariam a ser aplicadas até que fosse elaborado um Código Civil, em 1917.
Apesar da existência, nas Ordenações Filipinas, de uma cláusula geral para o direito da personalidade, sua eficácia era obstada pela segmentação das classes sociais, pela diversidade de povos e grandeza territorial.
Vale ressaltar que já na primeira constituição brasileira, de 25 de março de 1824, havia um tratamento dirigido aos direitos personalíssimos, que dispunha de trinta e cinco incisos dentro do artigo 179 para trazer os “Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”, englobando direitos como a liberdade, a inviolabilidade de domicílio, os direitos autorais e o segredo epistolar.
A Constituição republicana de 1891, por sua vez, trazia no Título IV, Seção II, uma “Declaração de Direitos”. O caput do artigo 72 se dedica à “inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade”. Ainda, diante dos parágrafos do citado artigo encontravam-se outros direitos ligados à personalidade humana, tais quais: sigilo de correspondência, inviolabilidade de domicílio, direito à propriedade industrial e o direito autoral.
Com a Constituição de 1934, o Brasil pôde, pela primeira vez, ter tutelado não somente direitos e garantias individuais à sua nação, como também proteção acerca da nacionalidade e direitos políticos. Na Carta Magna de 1937 houve um total desrespeito aos direitos humanos, em especial os que atinavam às relações políticas, enquanto na promulgada em 18 de setembro de 1946 consagravam-se os direitos e garantias individuais através da tutela da inviolabilidade do direito à vida e à liberdade, propriedade das marcas e patentes, além do direito autoral.
Conforme entendimento de Elimar Szaniawski [18], salientando que o Código Civil promulgado em 1917, norteado pela ideologia civilista da Alemanha, apesar de conter uma esboço de cláusula geral de personalidade, não dispensava maior atenção aos direitos da personalidade, dando preferência à regulamentação das normas acerca do patrimônio.
Os direitos da personalidade eram vistos somente sob a ótica penalista. Com o surgimento de leis como a de n.° 4.111/62 (Telecomunicações), a n.° 5.479/68, que versa sobre a possibilidade de utilização de cadáveres para pesquisa científica, além das que tratam dos direitos autorais, foram introduzidas normas de proteção aos direitos da personalidade. O anteprojeto de Código elaborado por Orlando Gomes, ainda que uma progressão dispunha sobre o tema de maneira tipificadora, como a seguir mensura o autor:
Embora o anteprojeto de Código Civil de Orlando Gomes constitua-se em prova inegável de avanço na tutela da personalidade, reclama-se, em geral, de uma maior atenção aos direitos da personalidade, que exigem uma regulamentação bem mais minuciosa que a apresentada pelo projeto de lei. De outro lado, o referido projeto de lei, apegado exclusivamente à concepção tipificadora e fracionária de direitos da personalidade e não prevendo uma cláusula geral, mostra-se insuficiente e defasado na tutela da personalidade humana, dependendo-se ainda, do trabalho da jurisprudência, para suprir suas imensas lacunas e construir uma tutela autêntica dos direitos da personalidade. [19]
Nota-se que faltava no Código Civil de 1916 um tratamento mais abrangente e sistemático dos direitos da personalidade, estudados detalhadamente por poucos doutrinadores e encontrado de maneira disforme na jurisprudência brasileira.
Como já foi mencionado anteriormente, no direito pátrio, a personalidade tem sua formação nas Ordenações Filipinas, com a actio iniurarium, sendo tal o tratamento dado a matéria até a promulgação do Código Civil em 1917. Este, por sua vez, se eximiu da tutela dos direito s da personalidade, por ser imbuído da ideologia individual e patrimonialista vigente.
A tutela da personalidade era tratada sob o prisma do direito penal, com o respectivo Código de 1940, bem como a legislação extravagante que naquele período vigia. Esta legislação, que em parte já foi revogada, tratava de alguns dos direitos da personalidade dispondo, dentre outros, sobre os crimes contra os serviços postais (Lei n.° 6.538/78) , a retirada de órgãos e tecidos de cadáveres com fins terapêuticos (Lei n.° 5.479/68), direitos autorais (Lei n.° 5.988/73), incluindo direto moral do autor e sobre as Telecomunicações (Lei n.° 4.117/62). Atualmente, a legislação que trata dos crimes contra as telecomunicações é a de n.° 9.472/97, a n.° 9.434/97 versa sobre a retirada de órgãos e tecidos de cadáveres com fins terapêuticos e Lei n.° 9.610/98 traz o arcabouço jurídico acerca dos direitos autorais.
O anteprojeto de Orlando Gomes, Projeto de Lei 634-B/75, como também já referido anteriormente, apesar de ser um avanço, não tratou dos direitos da personalidade de maneira satisfatória. Principalmente, pela ausência da distinção da personalidade e da capacidade de direito, também encontrada no Código Civil de 1916.
A proteção da personalidade humana pelo Código Civil decompõe-se em tutela geral e alguma tipificações casuísticas. Esta tutela diverge da doutrina moderna, a qual traz consigo a previsão de uma cláusula geral e outras dispondo sobre os direitos especiais da personalidade humana.
Atualmente, a personalidade humana encontra proteção na Constituição Federal, bem como no Código Civil vigente, podendo ser conceituada, de forma simplória e meramente exemplificativa, como a capacidade para ser detentor de direitos e contrair obrigações civis, sendo inerente da própria natureza humana. Portanto, dignos não só de enunciados na letra da lei, como também de mais políticas públicas capazes de dar aos direitos da personalidade toda a aplicabilidade necessária a uma vida mais digna a todo ser humano.
[1] NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: FTD, 1997, p. 15.
[2] GLISSEN, John apud GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 22.
[3] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 22.
[4] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 23.
[5] FRANCA S. J., Padre Leonel. Noções de história da filosofia. 21. ed. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1973, p.48.
[6] NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: FTD, 1997, p. 15.
[7] FRANCA S. J., Padre Leonel. Noções de história da filosofia. 21. ed. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1973, p.53.
[8] GRECO FILHO, Vicente apud GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 24.
[9] FRANCA S. J., Padre Leonel. Noções de história da filosofia. 21. ed. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1973, p.59.
[10] GRECO FILHO, Vicente apud GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 24.
[11] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 24.
[12] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 26.
[13] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil, 5.ed., v. 1, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 148.
[14] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 27.
[15] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 29
[16] BONAVIDES, Paulo apud NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: FTD, 1997, p. 16
[17] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 130.
[18] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 135.
[19] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 135.