“O DANO À IMAGEM E A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO AGENTE PROVOCADOR, TANTO PESSOA FÍSICA QUANTO JURÍDICA”.
Por: Bianca Helena dos Santos -
Estudante do 10º Semestre de Direito das Faculdades Jorge Amado – Salvador/BA.
O tema abordado por este trabalho, em especial, o relativo à responsabilidade civil dos meios de comunicação social é bastante intricado. Todavia, em virtude do reconhecimento de sua relevância, segue-se uma explanação geral acerca da responsabilidade civil dos órgãos de comunicação social, que ao exercerem suas atividades cotidianas se valem da liberdade de expressão a eles conferida para suplantar seus limites adentrando no âmbito de proteção conferido aos direitos da personalidade, em especial a imagem.
A seguir, observa-se o estudo sobre o tratamento que a legislação brasileira despende sobre a responsabilidade civil dos meios de comunicação. Este estudo deve partir da premissa de que, como toda legislação infraconstitucional, a Lei de Imprensa (Lei n.° 5.250/67) deve ser lida à luz da Constituição Federal e do Código Civil vigente.
A proteção que o legislador constituinte faz desta tão relevante liberdade evidencia-se pelo disposto no artigo 5°, inciso IX, ao impedir expressamente qualquer censura à expressão de atividade comunicativa, e pelo art. 220, e em seu parágrafo 1°, respectivamente:
A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observando o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII, e XIV.
No inciso V do art. 5°, a Constituição revela o direito de resposta e a respectiva “indenização por dano material, moral ou à imagem”. Esse direito deve ser exercido em proporção à lesão que lhe anteceda. E, através dele, o titular do direito ofendido poderá veicular sua resposta com igual evidência obtida pela notícia danosa através do mesmo meio de comunicação utilizado. Em relação aos meios de comunicação englobados por este dispositivo o legislador constituinte parece incluir tanto a imprensa escrita (jornais e revistas), falada ou a televisionada. Sobre essa temática expõe Celso Ribeiro Bastos:
É sem dúvida instrumento de grande utilidade. Por meio dele qualquer pessoa pode defender-se contra qualquer imputação que lhe é feita, ofensiva ou prejudicial. Poderá igualmente insurgir-se contra qualquer notícia que o envolva, com inverdade ou incorreção dos danos material, moral ou à imagem. Obviamente não isenta o responsável pelas conseqüências penais de seu comportamento. [1]
Há de se analisar, todavia, que não cabe direito de resposta quando a notícia, por qualquer dos meios de comunicação divulgada, não for literalmente ofensiva à pessoa certa. Em outras palavras, se o autor do evento lesivo utilizar de imputação ofensiva de modo indireto, por meio de apelidos, ou por meio de características vagas compatíveis com o ofendido, que demandem uma análise cognitiva mais aprofundada será difícil determinar se houve ofensa e, consequentemente direito de resposta. [2]
A despeito da enorme relevância da imprensa para a sociedade, fortalecendo o Estado Democrático de Direito, há que se mensurar seus limites em confronto com outros direitos. Isto, contudo, sem defender a censura, o que seria um verdadeiro retrocesso dos direitos fundamentais.
Não se pode olvidar que, além da liberdade de imprensa se encaixar como um dos direitos dos profissionais da imprensa demonstra ser também um direito conquistado e devotado a sociedade como um todo. Por isso, a liberdade de imprensa não corresponde a uma permissão para se servir dos meios de comunicação com objetivo de propagar notícias falsas, insultos que denotem a reputação, informações ultrajantes sobre outrem ou a utilização ilegítima da imagem alheia. Por fim, não se pode permitir que as empresas jornalísticas incrementem seus lucros em detrimento da preservação dos direitos da personalidade ou dos interesses sociais.
Além do acolhimento encontrado no texto constitucional, a liberdade de imprensa encontra seus limites nos direitos personalíssimos e as conseqüências respectivas encontram regulamentação no Código Civil e na Lei de Imprensa, de n.° 5.250 de 09 de fevereiro de 1967, que se inicia prescrevendo que a livre manifestação do pensamento, bem como a busca, a aceitação e a divulgação de informações ou idéias, pondo como conseqüência da violação destes direitos, a responsabilização do agente.
As agressões praticadas no exercício da liberdade de manifestação e de informação também são recriminadas no artigo 12 transcrito desta forma:
Art. 12. Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da Liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem.
A Lei de Imprensa, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, está pautada nos valores liberais existentes à época da sua concepção, tais como o individualismo, a excessiva preocupação em se proteger a propriedade privada, neste caso específico, a dos donos dos veículos de comunicação, além da diminuição da figura estatal como cumpridor de suas obrigações nas relações sociais. Comunga com esta afirmação Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, ao elucidar que:
O exame do sistema de responsabilidade civil da Lei n. º 5.250/67, bem como de toda a Lei, revela sua plena sintonia com a origem da liberdade de imprensa e com as idéias políticas, jurídicas e econômicas que reinavam durante sua concepção e afirmação: o liberalismo. [3]
O abuso freqüente constatado em parte dos meios de informação revela sua estreita ligação com os princípios valorados quando da concepção da liberdade de imprensa, sem o comprometimento com questões sociais. Deve-se repudiar o emprego da liberdade de informação meramente como prerrogativa da livre iniciativa, da liberdade de empresa, quem vem a beneficiar somente os donos dos veículos de comunicação.
Pelo fato de ter sido concebida sob o alento de valores como o individualismo e o enaltecimento da proteção sobre a propriedade privada, que não baseiam mais o legislador constituinte, a Lei de Imprensa não é aplicada totalmente na disciplina da atividade jornalística.
Por esta legislação as empresas jornalísticas são aquelas que editarem jornais, revistas e ou outros periódicos, enquadrando também neste perfil os serviços de radiodifusão e de televisão, as agências de notícias e as empresas cinematográficas. Deste modo que dispõe o parágrafo 4° do artigo 3°:
§ 4.° São empresas jornalísticas para os fins da presente Lei, aquelas que editarem jornais, revistas ou outros periódicos. Equiparam-se às empresas jornalísticas, para fins de responsabilidade civil e penal, aquelas que explorarem serviços de radiodifusão e televisão, agenciamento de notícias e as empresas cinematográficas.
No bojo da Lei de Imprensa estão os preceitos criminais além dos casos em que se considera aplicável a responsabilidade civil para a empresa jornalística. Todavia, a Carta Magna de 1988 não pôde recepcionar, implicitamente, todos os seus dispositivos, aproveitando-se, tão somente a questão acerca da indenização devida para o dano moral.
A concepção da responsabilidade civil parte da origem do termo em latim repondere, cujo significado aproximado é responder a algo, a obrigação de se atribuir a outrem as conseqüências de sua conduta danosa. Em outras palavras, responsabilizar o agente causador do dano por seus atos. Esta atribuição de responsabilidade de todos por seus atos remete à noção do justo dentro de uma determinada realidade. Assim, compartilha deste entendimento Rui Stoco, em sua obra ‘Tratado de Responsabilidade Civil’:
[...] a responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar a outro [...]. [4]
Importante se evidenciar que o ato lícito não apresenta coação ou ameaça, revela a manifestação da livre vontade de seu agente. O ato ilícito, conceituado no artigo 186 do Código Civil, também significa a vontade humana, só que em contrariedade ao ordenamento, e, por isso, gera a responsabilidade.
Por responsabilidade civil se entende a obrigação de reparar o dano causado através de comportamento que vá de encontro a “um dever jurídico preexistente de não lesionar” [5], sendo este dever prescrito de forma expressa ou implícita na letra da lei.
A responsabilidade civil para os meios de comunicação, de acordo com a Lei de Imprensa em seus artigos 49 a 57, será mediante a indagação da existência do dolo ou culpa. A Lei n.° 5.250/67, ainda que desconecta com a atual realidade brasileira no tema em questão, vigora e, como todo o ordenamento jurídico, deve ser interpretada a partir dos principais enunciados da Constituição, em conjunto com o atual Código Civil.
Em virtude da falta de conexão existente entre a referida legislação infraconstitucional com os problemas suscitados pela falta de qualidade e veracidade das informações pelos meios de comunicação, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei de Imprensa (Anexo) para tentar dar nova regulamentação à atividade jornalística. A priori, far-se-á uma análise sintética da responsabilidade civil dos meios de comunicação, para, posteriormente, se ressaltar como o Código Civil e a Constituição tratam o tema.
Tendo em vista o artigo 49 da Lei 6.250/67, pode-se afirmar que a responsabilidade civil será da empresa jornalística, contudo, terá a última o direito de regresso contra o autor da matéria. Este artigo representou à época um avanço na temática da responsabilidade civil, vez que, foi um dos pioneiros a regulamentar a reparabilidade do dano moral. Assim, apresenta-se o artigo 49 da Lei de Imprensa:
Art. 49 – Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:
I – os danos morais e materiais, nos casos previstos nos artigos 16, números II e IV, no artigo 18 e de calúnia, difamação e injúrias;
II – os danos materiais, nos demais casos.
..........................................................................................................................
§2º. Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50).
§3º. Se a violação ocorre mediante publicação de impresso não periódico, responde pela reparação do dano:
a) o autor do escrito, se nele indicado, ou
b) a pessoa natural ou jurídica, se do impresso não consta o nome do autor.
Deste modo, a reparabilidade do artigo 49 só poderá ser aplicada quando houver injúria, difamação, calúnia, notícia falsa que cause abalo econômico e extorsão. Além dessa reserva para indenização quando ocorrer o dano moral pelo agente divulgador de informações, existem outras pautadas em critérios econômicos, não sendo bem aceitas pelos julgados nacionais, sob o argumento de que não teriam sidos recepcionados pela Constituição Brasileira de 1988. [6]
A Lei traz uma excludente da responsabilidade civil nos casos em que ficar provada a exceção de verdade para os crimes de calúnia e difamação. Na primeira hipótese a regra é a da permissão da prova da verdade, enquanto na segunda é a da não permissão, como se percebe da leitura do artigo 20:
Art. 20. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato do como crime:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários mínimos da região.
§ 1.°. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa imputação, reproduz a publicação ou transmissão caluniosa.
§ 2.°. Admite-se a prova da verdade, salvo se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
§ 3.°. Não se admite a prova da verdade contra o Presidente da República, o presidente do Senado Federal, o presidente da Câmara dos Deputados. os ministros do Supremo Tribunal federal, chefes de Estado ou de Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos.
Nos casos em que o fato imputado se relacionar com a vida íntima do ofendido, ainda que verdadeiro, e não for veiculado por motivos de interesse público, não caberá a exceção da verdade. Isto, ainda que seja alguma das hipóteses que, em tese, ela seria permitida. [7]
Depois de ilustrar alguns pontos da responsabilidade civil e suas excludentes, o artigo 29 da Lei versa sobre direito de resposta e o de retificação:
Art. 29. Toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou errôneo, tem direito de resposta ou retificação.
Enquanto o direito de resposta é outorgado a toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública acusada ou ofendida em publicação divulgada em jornal, periódico ou através de transmissão de radiodifusão, o de retificação ocorre se o fato for equivocado ou falso.
Através dos artigos 50 a 53 a Lei de Imprensa esclarece o conteúdo e o modo de exercício do direito de regresso dedicado a empresa jornalística em face do autor da matéria ou do responsável pela sua divulgação. Além disso, traz também o valor a ser pago na indenização por conduta culposa, como se pode observar da leitura dos seguintes:
Art. 50. A empresa que explora o meio de informação ou divulgação terá ação regressiva para haver do autor do escrito, transmissão ou notícia, ou o responsável pela sua divulgação, a indenização que pagar em virtude da responsabilidade prevista nesta lei.
Art. 51. A responsabilidade civil do jornalista profissional que concorre para o
dano, por negligência, imperícia ou imprudência, é limitada, em cada, escrito
transmissão ou notícia:
I - a dois salários mínimos da região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou fato verdadeiro truncado ou deturpado ( art. 16, incisos II e IV );
II - a cinco salários mínimos da região, nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decoro de alguém;
III - a 10 salários mínimos da região, nos casos de imputação de fato ofensivo à reputação de alguém;
IV - a 20 salários mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção a verdade ( art. 49, § 1.° )
Art. 52. A responsabilidade civil da empresa e explora o meio de informação ou
divulgação é limitada a 10 vezes as importâncias referidas no artigo anterior,
se resulta de ato culposo de algumas das pessoas referidas no art. 50.
Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá
em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal, ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.
Ademais, a Lei de Imprensa versa também sobre diversos temas como: prazo decadencial de três meses para propositura da ação civil por dano moral (art.56), o descumprimento pela empresa jornalística do direito de resposta e retificação (art. 30 a 36), bem como sobre questões processuais (capítulo VI).
A legislação infraconstitucional que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação recebe consideráveis críticas. Há quem pondere não haver mais a necessidade de utilizar a Lei de Imprensa quando, no caso concreto, for verificado embate entre a liberdade de imprensa e demais direitos, como o de imagem, por exemplo. Argumentam que, a partir da promulgação da Constituição Federal, como estão previstos expressamente tais direitos, não suscitam qualquer dúvida na área infraconstitucional. [8]
As críticas à referida lei se justificam tanto por não ser condizente com as atuais demanda, causadas, sobretudo, pela tecnologia crescente nos meios de comunicação, como também por não estar em consonância com a presente ordem social, prescindindo de instrumentos viabilizadores de iniciativa popular para proteção dos interesses difusos e coletivos prejudicados pela imprensa.
Os bens jurídicos tutelados pela Lei n.° 5.250/67 são direcionados às pessoas físicas ou jurídicas e ao Estado quando molestados por notícia inverídica ou ultrajante, não conferem à sociedade dispositivos pelos quais se possa exigir transparência e qualidade na informação recebida.
A liberdade de imprensa, ou de informação, principalmente pelo momento em que foi concebida e pelo modo como foi resguarda na legislação infraconstitucional revela os mais infelizes legatários do liberalismo, como a falta de compromisso com a sociedade e o individualismo demasiado, que, na verdade, busca favorecer apenas seu detentor de forma a desmerecer seu papel diante da comunidade. Neste sentido sustenta Aurélia Maria Coloma[9] quando afirma que “a concepção liberal é unilateral e mutilada que contempla unicamente o aspecto ativo como direito que ostenta o informador”.
Também neste sentido assegura Luis Gustavo Grandinetti Carvalho:
É preciso adicionar ao seu postulado liberal, ovos componentes de um Estado Social, que lhe imponha tarefas, que lhes cobre deveres, que lhe circunscreva limites em favor da sociedade (não do Estado!), traçando basicamente novas vertentes, como o dever de informar e o direito de ser informado. Mas não se trata de qualquer informação, mas de uma informação que tenha determinadas qualidades, como a qualidade de verdade, da transparência e da imparcialidade.[10]
Sendo assim, deve-se fazer a leitura da Lei de Imprensa tendo em vista seu período de criação, mas atentando sempre para sua interpretação sob a luz da Constituição vigente. Prova de que tal lei merece críticas, tanto por não se adequar com a evolução jurídica dos institutos que asseguram a liberdade de imprensa como por ser anterior à chamada ‘Constituição cidadã’, é o já mencionado Projeto da Nova Lei de Imprensa (Anexo). O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados em agosto de 1997, com base no substitutivo preparado pelo Deputado Vilmar Rocha.
Os contornos aplicados ao dano moral existiam mesmo antes da promulgação da Carta Magna de 1988, tanto a doutrina quanto a jurisprudência nacional já haviam alertado para a possibilidade de se indenizar eventuais avarias a bens cuja apreciação econômica era de difícil, se não impossível, acerto. Além disso, o cálculo do valor a ser indenizado, não se baseia no eventual lucro obtido pelo agente causador do dano. Correspondendo a esta afirmativa e, fazendo sua aplicação nos casos de violação da imagem, verifica-se o seguinte voto do Ministro relator do STJ Ruy Rosado Aguiar:
O valor sofrido pelo titular do direito, cuja imagem foi indevidamente incluída em publicação, não está limitado ao lucro que uma das infratoras possa ter auferido, pois o dano do lesado não se confunde com o lucro do infrator [...] (STJ – 4ª T. – REsp 100.764 – RJ – Rel. Ruy Rosado Aguiar – j. 24.11.1997 – RT735/192).
Não bastava apenas fixar os valores a serem ressarcidos àqueles cujo patrimônio tivesse sofrido abalo. Era preciso atentar para a reparação das lesões ocasionadas a bens mais frágeis e delicados, que apesar de sua inegável fragilidade causavam tamanhos transtornos a qualquer pessoa.
Quando a imprensa, ao exercitar a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, divulga notícia que venha a denegrir a honra, a intimidade ou a imagem de um indivíduo surge um dano gravíssimo e passível de indenização. Esta espécie de dano é verificada, justamente, diante da lesão aos delicados direitos da personalidade. Desta forma expressa seu pensamento Nelson Oscar de Souza:
[...] a utilização da liberdade de manifestação do pensamento, por isso mesmo, está sujeita ao princípio de responsabilidade – e a resultante composição dos danos materiais, dos danos morais, dos danos à imagem. [11]
O objetivo principal da reparação é o de restabelecer a ordem jurídica agravada, bem como impedir o a prática de outros danos. Sobre as formas de reparação afirmou Sidney Guerra:
A reparação propriamente dita realiza-se de diversas formas: a devolução das coisas ao status quo, a reposição patrimonial ou reconstituição da esfera lesada, o ressarcimento de danos morais ou a combinação de efeitos, diante dos da espécie fática contemplada. [12]
Existem na doutrina autores que fazem uma diferenciação entre os termos “ressarcimento”, “indenização” e “reparação”. Para o legislador constituinte a indenização é o gênero enquanto reparação e o ressarcimento são espécies, como se dispõe todo o disposto no art. 5°, V e X, sobre a indenização tanto por dano patrimonial, como pelo moral. Dentre os autores que fazem essa distinção de termos está Carlos Roberto Gonçalves:
Ressarcimento é o pagamento de todo prejuízo material sofrido, abrangendo o dano emergencial e os lucros cessantes, o principal e os acréscimos que lhe adviriam com o tempo e com o emprego da coisa. Reparação é a compensação pelo dano moral, a fim de minorar a dor sofrida pela vítima. E a indenização é reservada para a compensação do dano decorrente do ato lícito do Estado, lesivo do particular, como ocorre nas desapropriações. [13]
Falar de responsabilidade civil sem dano é tarefa impraticável. Para que haja obrigação de reparar, de indenizar outrem deve haver dano, o prejuízo, o mal feito a outrem, ou como ensina Ludwing Ennecerus:
Dano é toda desvantagem que sofremos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc.). Como queira que, por regra geral, a obrigação de indenizar limita-se ao dano patrimonial, a palavra “dano” emprega-se correntemente na linguagem jurídica no sentido de dano patrimonial.
Entre o patrimônio atual do prejudicado e o estado de seu patrimônio teria se não se houvesse produzido o acontecimento que fundamenta a pretensão de indenização, medeia, se prescindimos da pretensão de indenização, uma diferença. Esta diferença constitui o dano patrimonial ou o interesse patrimonial quem em geral, denomina-se abreviadamente dano ou interesse. A prestação da indenização equilibra ou nivela esta diferença. [14]
Pelo entendimento clássico dano seria uma diminuição do patrimônio. Entretanto, boa parte da doutrina pátria e jurisprudência consideram que o dano pode vir a afetar não só o patrimônio, como também a honra, a vida, a integridade física, a imagem, privacidade dentre outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente.
Geralmente, ao se mencionar o dano indenizável, faz-se referência ao dano patrimonial. Também denominado como dano material se evidencia ao ocorrer efetiva lesão ao patrimônio de alguém e leva a perda ou degradação dos seus bens materiais. Importante frisar que, para o enquadramento sob a alcunha de dano material, o bem jurídico prejudicado deve ser passível de avaliação pecuniária, não importando ser o que já se perdeu ou o que se deixou de acrescer ao patrimônio.
Assim como prolatou Ludwing Ennecerus citado anteriormente por Antônio Chaves, ainda há que se destacar ainda que existe a utilização do termo dano como um gênero, cujas espécies são o dano patrimonial e o dano moral. A indenização tem o intuito precípuo de reparar o dano causado ao titular do bem jurídico afetado, sendo ideal o retorno do estado anterior em que se encontrava, conforme ilustrado anteriormente. Entretanto, na maioria das vezes, tal restauração se mostra impossível.
O dano para caracterizar a necessidade impor indenização deve ser certo e atual. Todavia, a atualidade nem sempre se faz presente, pois se pode indenizar o prejuízo futuro. Já quanto a certeza dispõe Antônio Gonçalves:
O requisito da ‘certeza’ do dano afasta a possibilidade de reparação do dano hipotético ou eventual, que poderá não se concretizar. Tanto assim, que, na apuração dos lucros cessantes, não basta a simples possibilidade de realização de lucro, embora não seja indispensável a absoluta certeza de que este se teria verificado sem a interferência do evento dano. O que deve existir é uma probabilidade objetiva que resulte do curso normal das coisas, como se infere do advérbio ‘razoavelmente’, colocado no art. 402 do Código Civil [...][15]
Cabe afirmar ainda que, não se indeniza o dano hipotético, até pelo fato que este não pode ser mensurado, nem por uma estimativa aproximada. Além disso, a razoabilidade não corresponde ao quantum indenizatório, mas sim do pagamento devido ao se admitir que houvesse prejuízo.
Sendo assim, por não haver melhor alternativa indeniza-se a vítima em valor que, de maneira alguma, corresponde ao valor de certos bens jurídicos como a vida, a saúde, a honra, bens cuja apreciação monetária é meramente simbólica.
Todos os indivíduos têm o direito de se proteger das ofensas dirigidas a sua pessoa, pode-se então falar da existência da tutela preventiva e da tutela reparadora da personalidade humana no ordenamento nacional.
Apesar de existir toda a estrutura que confere inúmeros mecanismos protetores da personalidade do homem, em raras hipóteses, ao se estar diante de iminente perigo de lesão, e, não for viável utilizar-se da via judicial, poderá a vítima do evento danoso repelir pessoalmente a agressão. Está é a autotutela da personalidade, caso em que se efetiva a tutela preventiva, contanto que não haja excesso, disposta no inciso I e II do Artigo 188 do Código Civil (as excludentes de ilicitude conhecidas como legítima defesa, o exercício regular de direito e o estado de necessidade). [16]
Nos casos em que se verifique a tutela reparadora dos direitos de personalidade, a violação já foi praticada através de atentado, cuja execução se dê maneira instantânea ou que já tenha produzidos seus efeitos danosos. Daí, consequentemente, surge obrigação de indenização do dano moral, que é autônoma daquela oriunda de dano patrimonial.
A responsabilidade civil carece de uma série de requisitos para se efetivar, é preciso, além do dano, a presença de outros requisitos, quais sejam: a ação ou omissão do agente, a culpa (de aferição dispensável em certos casos) e o nexo causal.
No direito brasileiro a responsabilidade civil extracontratual é fundada no princípio da culpa. Assim sendo, em face do que descreve o Código Civil, em seu artigo 186, por via de regra, ficará incumbido de indenizar o agente causador que tenha agido mediante culpa. Seja por uma ação, por omissão voluntária, negligência ou imperícia.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O agir com culpa, para efeito de reparação, significa a conduta passível de censura ou reprovação do ordenamento jurídico. Isto acontece quando o autor do fato lesivo a bem jurídico de outrem não só poderia como também deveria agir de maneira diversa.
Quando o agente quis agir de modo a prejudicar bem direito de alguém, estamos na presença da culpa em seu sentido amplo (dolo). Por outro lado, quando a conduta se dá por negligência ou imperícia estamos diante da culpa em sentido estrito, também denominada com culpa aquiliana.
Seja qual for a sua modalidade, a culpa se caracteriza pela ausência de um cuidado, com a falta de visão dos eventuais resultados que decorram de sua conduta. Para se aferir a culpa deve-se comparar a atitude do agente causador com a do ‘homem médio’, que mensura os possíveis resultados danosos de seus atos, buscando evitá-los.
Parte da doutrina brasileira, além de dividir a culpa em modalidades, a gradua. Todavia, o Código Civil não distingue nem as modalidades, nem os graus de culpa (grave, leve e levíssima) para efeito de indenização. Vale ressaltar, que o grau de culpa não se relaciona com o quantum devido, mas sim a extensão do dano causado. O grau de culpa só recebe mais atenção no caso de haver aberrante desproporção entre ele e o dano. Sendo essa hipótese uma faculdade do magistrado, conferido pelo único do artigo 944 do Código Civil ao prescrever que:
Art.944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Quando se faz a exigência para que a vítima prove, além do nexo de causalidade, a culpa do agente, corre-se o risco de deixá-la sem a devida reparação. Modernamente, tanto a doutrina como a jurisprudência civilista, com inspiração advinda, principalmente da doutrina francesa, adota o princípio da culpa em casos de responsabilidade civil subjetiva. Por esta teoria, a prova de culpa (sentido amplo) ou dolo (sentido estrito).
Somente em casos específicos, há a adoção da teoria do risco, bastando à pessoa lesada provar o dano e o nexo de causalidade. Trata-se, neste último caso, da responsabilidade objetiva. Essa espécie de responsabilidade civil, a objetiva, por adoção da teoria do risco, se evidencia em alguns casos. Tais como as estradas de ferro ao causar danos aos proprietários dos terrenos limítrofes, os acidentes de trabalho que implicam ao empregador a indenizar o empregado sem se argüir sobre eventual culpa.
Também ficam objetivamente responsáveis os proprietários de aeronaves por lesão decorrente de coisas que delas caírem, bem como os danos causados por manobras em terra. Para o causador de acidente nuclear, para o habitante de casa ou parte desta por tudo aquilo que dela cair ou for lançado em local indevido, para o dono de edifício ou construção em ruína, pelo dano causado por falta de cuidados e para o dono da coisa inanimada também incide a responsabilidade objetiva.
O Código Civil, em seu artigo 927, não foge da teoria subjetiva, que perquire a culpa do agente. Entretanto, quando a atividade deste for de risco a terceiros, por sua natureza, ou que trate a lei de forma específica o legislador registrou hipóteses da obrigação indenizatória sem se questionar sobre a existência de culpa.
Outro requisito da responsabilidade civil é o liame entre a conduta do agente e o dano. Sobre isto prescreve o Código de Civil, no já citado artigo 186. Haverá o nexo causal quando se chegar a conclusão de que sem a conduta do autor não haveria prejuízo à vítima. Um impasse se instaura quando, além do procedimento do agente, existem concausas/ causas que concorrem para o dano sofrido por outrem. São as concausas, sucessivas ou simultâneas. Nestas várias causas levam a um único resultado danoso, podendo várias pessoas ser responsabilizadas (responsabilidade).
Nas concausas sucessivas ocorre uma sucessão de causas e feitos. Para decidir qual delas é a responsável pelo dano não há um consenso entre as três teorias existentes. A primeira delas responsabiliza o agente causador de qualquer uma das condutas que tenham concorrido para o fato lesivo. O argumento em que se baseiam os defensores desta corrente é o de que na falta de umas das concausas o prejuízo não existiria. Daí a equivalência que dá nome a esta teoria, também conhecida como sine qua non, sem a qual não. A aplicação desta teoria levaria resultados esdrúxulos, como aqueles em que se responsabilizariam o fabricante da arma utilizada num homicídio.
A responsabilidade civil, depois de se observar a presença de seus requisitos básicos, no artigo 948 do Código Civil aliado ao art. 927 e ao inciso V, X do art. 5° da Constituição federal, protege o direito à vida, incluindo a indenização por dano moral a ser paga aos familiares da vítima.
O artigo 949 trata da responsabilidade civil imputada ao agente causador da conduta danosa à saúde alheia, correspondendo a indenização pelos danos materiais sofridos com tratamento médico, medicamentos, além do que deixar de auferir a vítima. Os danos extrapatrimoniais podem ser requeridos, contudo embasados na jurisprudência, pois o legislador de 2002 se eximiu de prescrever essa possibilidade de forma expressa.
Nos casos em que, além da saúde psicofísica da ofensa resulte também dano à honra do ofendido, por lhe impossibilitar o exercício de sua atividade profissional, caberá reparação por danos patrimoniais (artigo 950 e seu parágrafo único). Outra vez, quanto aos danos extrapatrimoniais que levam a deformidade, um dano estético duradouro, se omitiu o legislador de 2002. Em tais ocasiões, o dano à integridade física alcança um nível maior de sofrimento, pois acarreta uma mudança maléfica permanente da aparência externa. Além de ter sua condição física agravada, a vítima sofre um ‘enfeamento’, deixando-o suscetível de humilhações para o resto de sua vida.
Considerando que a liberdade de imprensa e o direito à imagem são direitos fundamentais, deve-se partir da análise de todas as circunstâncias envolvidas no caso concreto para que se chegue a mais adequada solução dos conflitos emergentes da eventual colisão entre estes direitos.
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.
GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. Ver., atual. e ampl São Paulo: Editora dos Tribunais, 2004.
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
[1] BASTOS, Celso Ribeiro, e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 45.
[2] BASTOS, Celso Ribeiro, e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 46.
[3] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. A informação como bem de consumo IN: Revista de Direito do Consumidor 2003 v. 12 n. 47 jul./set, p. 153.
[4] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. Ver., atual. e ampl São Paulo: Editora dos Tribunais, 2004, p. 118.
[5] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. Ver., atual. e ampl São Paulo: Editora dos Tribunais, 2004, p. 119.
[6] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. A informação como bem de consumo IN: Revista de Direito do Consumidor 2003 v. 12 n. 47 jul./set. p. 156.
[7] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. A informação como bem de consumo IN: Revista de Direito do Consumidor 2003 v. 12 n. 47 jul./set. p. 156.
[8] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 90.
[9] COLOMA, Aurélia Maria Romero apud CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação IN: Revista de Direito do Consumidor: 2003 v. 12 n. 47 jul./set., p. 158.
[10] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação IN: Revista de Direito do Consumidor: 2003 v. 12 n. 47 jul./set., p. 158.
[11] SOUZA, Nelson Oscar apud GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 93.
[12] GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 93 (idem)
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 740.
[14] Ludwing Ennecerus apud CHAVES, Antônio. Chaves, Tratado de direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 3º v., 1985, p. 607
[15] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 802.
[16] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 247.