Liberdade,
Hermenêutica e a Imunidade do Mínimo Existencial
SÉRGIO BAALBAKI *
É fato notório que no
Brasil a carga tributária é extremamente alta, sem que exista, paradoxalmente,
um atendimento adequado nem minimamente digno, das necessidades do cidadão
contribuinte, sendo certo que a atividade financeira do Estado, cuja principal
fonte viabilizadora é a receita de tributos, deveria
ser voltada para a satisfação das necessidades públicas.
Impõe-se, pois, que se
proceda, através de um método hermenêutico, a uma
maior efetividade da Constituição, especialmente através da adequada
interpretação e, simultaneus,
concretização do princípio da imunidade tributária para que se evite uma
injusta tributação.
De fato, a flagrante ausência
de uma adequada concretização do acima citado princípio é a causa de
desprestígio e, ipso facto, do
massacre dos direitos humanos do cidadão contribuinte.
Nota-se, portanto, que o Estado Fiscal procura
justificar a sua atuação de forma estritamente objetiva, formal, enfim, fundamentando-se
em um positivismo flagrantemente autoritário, olvidando os valores que devem
nortear a sua atuação.
Ora, o Estado é, em verdade, a síntese da
consciência de todos os cidadãos e tem por objetivo ser um meio e não um fim em
si mesmo, de maneira que deve Ele ter por escopo servir de meio para atender o
cidadão contribuinte e não o contrário, isto é, não pode o cidadão ser um meio
de manutenção do Estado, pois já propugnava Kant[1]
que: o homem é um fim em si mesmo, ao utilizar a expressão “Reino dos Fins”.
Nessa linha, lobriga-se
que na interpretação da norma constitucional tem de haver uma justificação
axiologicamente aceitável[2].
Assim, os valores
consubstanciam-se em perspectivas mínimas, semelhantes a pontos de iluminação
tendentes à concretização do direito.
É importante asseverar que
a norma não é nada isoladamente, eis que a sua importância exsurge
tão somente por ocasião de sua concretização.
Aduz-se que o método hermenêutico traduz-se em uma forma especial de
interpretação, segundo o qual existe uma pré-compreensão ao se proceder à
interpretação da norma. Tem como peculiaridade uma compreensão alargada, sendo
ele de fundamental importância para promover a aproximação entre a Constituição
Política e a Realidade Constitucional, notadamente através do paradigma/valor
liberdade.
Aduz-se,
por oportuno, que a cobrança de tributos, segundo lição de Ricardo Lobo Torres[3],
é possibilitada através do espaço aberto pelo cidadão no tocante à sua
liberdade e propriedade, sendo certo que tal autorização já é concedida ao
Estado de forma limitada.
Nessa linha, não é a Constituição ou o
Estado que limita o poder de tributar, mas este, ao contrário, já nasce
limitado pela auto-limitação da liberdade do indivíduo
ao permitir a tributação.
Portanto,
a Constituição Federal apenas declara as limitações impostas ao Estado Fiscal,
mas não as constitui.
É importante asseverar,
por oportuno, que a imunidade consiste na intributabilidade
absoluta ditada por liberdades pré-existentes e, dentre as espécies de
imunidade, existe a do mínimo existencial, a qual é considerada implícita.
Há, pois, um direito às
condições mínimas de existência humana digna, o qual não pode ser objeto de
incidência fiscal e que, ao contrário, impõe prestações estatais positivas.
Assim, sem o mínimo
necessário para a existência desaparece a possibilidade de sobrevivência e
seriam suprimidas as condições iniciais de liberdade.
Portanto, o fundamento
do direito ao mínimo existencial se situa nas condições para o exercício da
liberdade.
Está ele compreendido em
diversos princípios constitucionais, e. g., no princípio da dignidade da pessoa humana.
Portanto, o valor liberdade assinala o
norte para que a hermenêutica constitucional viabilize a concretização do
direito ao apresentar um inexpugnável limite à atuação do Estado Fiscal, de
forma que a tributação não deve recair, por exemplo, sobre os idosos, como
sucedeu com a manifestamente inconstitucional Emenda nº
41/2003, notadamente em razão de inexistir, in
casu, consoante lição do Professor Moncada, uma “justificação axiologicamente aceitável” para
que o STF, por 7 votos contra 4, a declarasse
constitucional.
*Professor e advogado
Graduado pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ
Pós – graduado pela Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ
Mestrando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá – UNESA