DA LICITAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO
por DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA
1ª edição: Porto Alegre (RS) – escrito em 17/09/2007
2ª edição: Porto Alegre (RS) – escrito em 04/10/2007
I. Questão relevante decorre a respeito da possibilidade ou não de a Fazenda Pública licitar a folha de pagamento de salários, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta.
II. Passemos à análise do tema.
1. Primeiramente, mister destacar o disposto no artigo 164, §3º, da Constituição Federal da República:
Art. 164.(...)
§ 3º - As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei. [Grifou-se]
Assim, a Carta Magna impõe à Fazenda depositar sua disponibilidade de Caixa em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.
2. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul elaborou o ofício circular nº GP nº 004/2006, o qual dispõe que, nos termos do artigo 164, §3º, da Constituição Federal, as disponibilidades de caixa do Município devem ser depositados em instituições financeiras oficiais. Ademais, referem:
“É vedada a transferência da Folha de Pagamento dos servidores públicos à instituições financeiras não-oficiais, tendo em conta o disposto no mencionado artigo 164,§3º, da Constituição, e, em conseqüência, devem ser cancelados quaisquer procedimentos licitatórios, visando à transferência de disponibilidades públicas às instituições financeiras privadas, haja vista que absolutamente nulos, por afrontarem o texto constitucional.”
Dessa forma, em razão dessa orientação, o TCE-RS mencionou a possibilidade de imposição de penalidade pecuniária e de desaprovação das contas municipais caso desrespeitada a orientação normativa.
Há notícia de que municípios do Estado do Rio Grande do Sul estariam realizando procedimentos licitatórios em desacordo com a orientação suprareferida.
Ademais, destacamos notícia publicada no dia 29/09/2007, no saite http://www.maxpressnet.com.br/noticia.asp?TIPO=PA&SQINF=286712, de que o Banco Santander foi vitorioso no processo licitatório pela folha de pagamento dos servidores da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.
3. Entende-se, irrefragavelmente, que pagamento de salário, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta Não se confunde com disponibilidade de Caixa da Fazenda.
Isso porque, quando a Fazenda deposita os aludidos valores, não estamos tratando da disponibilidade de Caixa, uma vez que esta não possui qualquer disponibilidade quanto a esses valores, os quais já pertencem a terceiros. Frise-se: a Fazenda Pública somente detém esses valores anteriormente ao depósito.
Dessarte, os valores depositados nas contas-correntes dos servidores, à título de salário, têm verdadeiro caráter de despesa liquidada; não se confundindo, pois, com disponibilidade de caixa.
Conforme o Ministro Gilmar Mendes, a hipótese vertente “não se cuida de disponibilidade de caixa.”[1] Nesse mesmo diapasão, o Ministro Cezar Peluzo assevera:
“(...) que a disponibilidade de caixa é conceito técnico contábil e, evidentemente, não se confunde com verbas que, segundo os registros contábeis, são predestinadas e postas à disposição de terceiros, seja pessoal, fornecedores, etc., os quais poderão levantar a quantia à vista ou, dependendo, se se tratar de servidor público, na data correspondente ao pagamento. Portanto, não integram a noção de disponibilidade de caixa, que é exatamente uma diferença entre certos ativos e passivos em que essas verbas são incluídas. Aliás, e este não é argumento, o qual padeceria de vício lógico, se tais verbas constituíssem disponibilidade de caixa, os servidores da União jamais poderiam receber pelo Banco do Brasil ou pela Caixa Econômica Federal, porque as disponibilidades de caixa, segundo o artigo 164, §4º, da Constituição, têm de estar no Banco Central. Isto não é argumento, repito, porque seria um círculo vicioso, mas demonstra, na prática, empiricamente, que ninguém jamais pôs em dúvida que não se trata de disponibilidade de caixa.” [2]
Assim, embora haja tratamento constitucional quando ao procedimento a ser adotado para a disponibilidade de Caixa, inexiste restrição constitucional ou legal no concernente ao procedimento a ser adotado quanto ao pagamento de salário, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta.
4. A matéria em apreço vem sendo interpretada pelo Supremo Tribunal Federal da seguinte forma:
"Constitucional. Estados, Distrito Federal e Municípios: disponibilidade de caixa: depósito em instituições financeiras oficiais. CF, art. 164, § 3º. Servidores públicos: crédito da folha de pagamento em conta em branco privado: inocorrência de ofensa ao art. 164, § 3º, CF." (Rcl 3.872-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 14-12-03, DJ de 12-5-06) [Grifou-se.]
"Artigo 3º da Emenda Constitucional n. 37, do Estado do Espírito Santo. Nova redação conferida ao art. 148 da Constituição Estadual, determinando que as disponibilidades de caixa do Estado, bem como as dos órgãos ou entidades do Poder Público estadual e das empresas por ele controladas, sejam depositadas na instituição financeira que vier a possuir a maioria do capital social do BANESTES, decorrente de sua privatização, na forma definida em lei. Aparente ofensa ao disposto no art. 164, § 3º da Constituição, segundo o qual as disponibilidades financeiras de Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como as dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, devem ser depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei. Tal lei exceptiva há que ser a lei ordinária federal, de caráter nacional. Existência, na Lei Complementar federal n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), de previsão segundo a qual as disponibilidades de caixa dos entes da Federação serão depositadas conforme estabelece o § 3º do art. 164 da Constituição (art. 43, caput). Ofensa, ademais, ao princípio da moralidade previsto no artigo 37, caput da Carta Política." (ADI 2.600-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-4-02, DJ de 25-10-02) [Grifou-se.]
"As disponibilidades de caixa dos Estados-Membros, dos órgãos ou entidades que os integram e das empresas por eles controladas deverão ser depositadas em instituições financeiras oficiais, cabendo, unicamente, à União Federal, mediante lei de caráter nacional, definir as exceções autorizadas pelo art. 164, § 3º da Constituição da República. O Estado-Membro não possui competência normativa, para, mediante ato legislativo próprio, estabelecer ressalvas à incidência da cláusula geral que lhe impõe a compulsória utilização de instituições financeiras oficiais, para os fins referidos no art. 164, § 3º da Carta Política. O desrespeito, pelo Estado-Membro, dessa reserva de competência legislativa, instituída em favor da União Federal, faz instaurar situação de inconstitucionalidade formal, que compromete a validade e a eficácia jurídicas da lei local, que, desviando-se do modelo normativo inscrito no art. 164, § 3º da Lei Fundamental, vem a permitir que as disponibilidades de caixa do poder público estadual sejam depositadas em entidades privadas integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Precedente: ADI 2.600-ES, Rel. Min. Ellen Gracie." (ADI 2.661, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-6-02, DJ 23-8-02). No mesmo sentido: ADI 3.075-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 5-6-02, DJ de 18-6-04; ADI 3.578-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-9-05, DJ de 24-2-06.
Impende transcrever, na íntegra, o voto do eminente Ministro Carlos Velloso, quando do julgamento da citada reclamação, in verbis:
“Sr. Presidente, vou antecipar o meu voto nos termos do que decidi no RE 444.056/MG. Sintetizado na seguinte ementa:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS: DISPONIBILIDADE DE CAIXA: DEPÓSITO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OFICIAIS. CF, ART. 164, § 3º. SERVIDORES MUNICIPAIS: CRÉDITO DA FOLHA DE PAGAMENTO EM CONTA EM BANCO PRIVADO: INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 164, § 3º, CF. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RE.”
“ Escrevi:
“O Supremo Tribunal Federal tem decidido, reiteradamente, que as disponibilidades de caixa dos Estados-membros serão depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvadas as hipóteses previstas em lei ordinária de feição nacional (CF, art. 164, § 3º). Assim decidiu o Supremo, por exemplo, nas ADIs 2.661-MC/MA, Ministro Celso de Mello, Plenário, 05.6.2002; 2.600-MC/ES, Ministra Ellen Gracie, Plenário, 24.4.2002; 3.578-MC/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 14.9.2005, Informativo nº 401.
“Aqui, entretanto, o caso é outro: trata-se de ‘depósito líquido da folha de pagamento em Banco particular, sem custo para o Município, eis que tal crédito fica disponibilizado aos servidores, não ao Município’. É o que consta do acórdão recorrido, fl. 324, da lavra do eminente Desembargador Orlando Carvalho.
Consta, mais, do acórdão: ‘(...)
“Deste modo, os pagamentos realizados aos servidores municipais não são disponibilidades de caixa, pois tais recursos, uma vez postos à disposição dos servidores, têm caráter de despesa liquidada, pagamento feito, não estando disponíveis ao Município, pessoa jurídica de direito público interno, mas estão disponíveis aos servidores, credores particulares. O Prefeito requerido-apelado buscou reduzir gastos exigidos pelo BANCO DO BRASIL, que cobrava cerca de ‘R$ 17.000,00’ (ou R$ 15.610,00) anuais para proceder ao pagamento dos servidores municipais, como comprovam os documentos de fls. 30/32, sendo que, consoante as informações prestadas pelo Secretário da Fazenda Municipal, às fls. 32, ‘no período de outubro a dezembro de 2000 as tarifas bancárias pelo Banco do Brasil pelo pagamento da folha é de R$ 3.902,50’, o que equivale a R$ 15.610,00 em 12 (doze) meses. Portanto, o pagamento da folha de pagamento através da Agência local do UNIBANCO S/A resultava em economia ao erário, o que desautoriza a procedência de ação civil pública, cujos pressupostos são a ilegalidade e a lesividade ao erário público. (...).’ (Fls. 326-327)
“O RE não tem condições, pois, de prosperar. É o que entende, também, o Ministério Público Federal, no parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral, Dr. Paulo da Rocha Campos. Dele, destaco:
‘(...)
6. Direito não assiste ao recorrente.
7. É que, disponibilidade de caixa não se confunde com depósito bancário de salário, vencimento ou remuneração de servidor público, sendo certo que, enquanto a disponibilidade de caixa se traduz nos valores pecuniários de propriedade do ente da federação, os aludidos depósitos constituem autênticos pagamentos de despesas, conforme previsto no artigo 13 da Lei 4.320/64.
8. Como se observa, as disponibilidades de caixa é que se encontram disciplinadas pelo artigo 164, § 3º da Constituição Federal, que nada dispõe sobre a natureza jurídica, se pública ou não, da instituição financeira em que as despesas estatais, dentre elas a de custeio com pessoal, deverão ser realizadas.
9. Destarte, nada obsta que o Estado desloque de sua disponibilidade de caixa, depositada em instituição oficial, ‘ressalvados os casos previstos em lei’, valores para instituição financeira privada com o fim de satisfazer despesas com seu pessoal, como ocorrido no caso dos autos, desmerecendo reforma, portanto, o acórdão impugnado, vez que proferido na mesma linha desse entendimento.
III 10. – Em face do exposto, o parecer é pelo desprovimento do presente recurso. (...).’ (Fls. 429-430)
O RE, está-se a ver, é inviável, motivo por que lhe nego seguimento.” [Grifou-se]
Do acórdão transcrito depreende-se, ao contrário do entendimento exarado pelo TCE-RS, a possibilidade de a Fazenda efetuar o pagamento de salário, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta através de depósito bancário em instituição bancária privada ou pública.
5. De outra banda, argumentandum tantum, na remota hipótese de entendermos e misturarmos os conceitos de disponibilidade de Caixa e pagamento de salário, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores municipais, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta, ainda assim há possibilidade de ser realizado o depósito bancário dos valores aludidos em algumas instituições bancárias privadas.
Isso porque, o artigo 164, §3º, da Constituição Federal refere que as disponibilidades de caixa dos serão depositados em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei. Trata-se de norma constitucional de eficácia contida, uma vez que lei posterior pode ressalvar algumas hipóteses, restringindo sua eficácia.
Nesse tocante, ocorreu a edição da Medida Provisória 2.192-70/01, a qual permite que as verbas de disponibilidade sejam depositadas em bancos que tenham sofrido processo de privatização. É a inteligência do artigo 4º, §1º, deste ato normativo:
§ 1o As disponibilidades de caixa dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou das entidades do poder público e empresas por eles controladas poderão ser depositadas em instituição financeira submetida a processo de privatização ou na instituição financeira adquirente do seu controle acionário, até o final do exercício de 2010.
Por seu turno, o artigo 29 da Medida Provisória 2.192-70/01 estabelece, “ipsis litteris”:
Art. 29. Os depósitos judiciais efetuados em instituição financeira oficial submetida a processo de privatização poderão ser mantidos, até o regular levantamento, na própria instituição financeira privatizada ou na instituição financeira adquirente do seu controle acionário.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se às instituições financeiras oficiais cujo processo de privatização tenha sido concluído, bem assim às instituições financeiras oficiais em processo de privatização.
Por conseguinte, há a possibilidade de bancos submetidos a processo de privatização realizarem as operações financeiras mencionadas alhures.
6. Inobstante, sobreveio decisão do STF, em sede de processo cautelar, no sentido da inconstitucionalidade do disposto nos artigo 4º, §1º e 29 da Medida Provisória 2.192-70, in verbis:
EMENTA: I. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade: caso de excepcional urgência, que autoriza a decisão liminar sem audiência dos partícipes da edição das normas questionadas (LADIn, art. 10, § 3º), dada a iminência do leilão de privatização do controle de instituição financeira, cujo resultado poderia vir a ser comprometido com a concessão posterior da medida cautelar. II. Desestatização de empresas públicas e sociedades de economia mista: alegação de exigência constitucional de autorização legislativa específica, que - contra o voto do relator - o Supremo Tribunal tem rejeitado; caso concreto, ademais, no qual a transferência do controle da instituição financeira, do Estado-membro para a União, foi autorizada por lei estadual (conforme exigência do art. 4º, I, a, da MPr 2.192-70/01 - PROES) e a subseqüente privatização pela União constitui a finalidade legal específica de toda a operação; indeferimento da medida cautelar com relação ao art. 3º, I, da MPr 2.192-70/01, e ao art. 2º, I, II e IV, da L. 9.491/97. III. Desestatização: manutenção na instituição financeira privatizada das disponibilidades de caixa da administração pública do Estado que detinha o seu controle acionário (MPr 2.192-70/01, art. 4º, § 1º), assim como dos depósitos judiciais (MPr 2.192-70/01, art. 29): autorização genérica, cuja constitucionalidade - não obstante emanada de diploma legislativo federal - é objeto de questionamento de densa plausibilidade, à vista do princípio da moralidade - como aventado em precedentes do Tribunal (ADIn 2.600-MC e ADIn 2.661-MC) - e do próprio art. 164, § 3º, da Constituição - que não permitiria à lei, ainda que federal, abrir exceção tão ampla à regra geral, que é a de depósitos da disponibilidade de caixa da Administração Pública em instituições financeiras oficiais; aparente violação, por fim, da exigência constitucional de licitação (CF, art. 37, XXI); ocorrência do periculum in mora: deferimento da medida cautelar para suspender ex nunc a eficácia dos arts. 4º, § 1º, e 29 e parágrafo único do ato normativo questionado (MPr 2.192/70/01).
(STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 3578/DF, MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 14/09/2005)
Assim, o disposto no artigo 4º, §1º e no artigo 29 da Medida Provisória 2.192-70 restou suspenso, em razão da decisão proferida no processo cautelar ADI-MC 3578/DF.
7. Posteriormente, revendo seu posicionamento, o STF decidiu no sentido da possibilidade de que a Fazenda efetue o depósito do pagamento de salários, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta em qualquer instituição financeira, seja pública ou privada, “expressis verbis”:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS: DISPONIBILIDADE DE CAIXA: DEPÓSITO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OFICIAIS. CF, ART. 164, § 3º. SERVIDORES PÚBLICOS: CRÉDITO DA FOLHA DE PAGAMENTO EM CONTA EM BRANCO PRIVADO: INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 164, § 3º, CF.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl-AgR 3872 / DF - DISTRITO FEDERAL, AG.REG.NA RECLAMAÇÃO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 14/12/2005, DJ 12-05-2006 PP-00005, EMENT VOL-02232-02 PP-00242, LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 138-160Parte(s))
Dessarte, de acordo com o entendimento hodierno do STF, é possível licitar a folha de pagamento; inocorrendo, pois, qualquer ofensa ao artigo 164, §3º, da Constituição Federal.
8. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul vem entendendo no sentido da possibilidade da transferência da folha de pagamento para instituição privada, in verbis:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FUNCIONALISMO PÚBLICO MUNICIPAL. FOLHA DE PAGAMENTO. TRANSFERÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA OFICIAL PARA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PRIVADA. POSSIBILIDADE. 1. As limitações do art. 475, §§ 1.° e 2.° não se aplicam às remessas oficiais previstas em leis extravagantes, a exemplo do mandado de segurança. Reexame conhecido. 2. É possível o Município de Canoas transferir a folha de pagamento de seus professores de instituição financeira oficial para instituição financeira privada, vez que o comando do art. 164, § 3º, da CF/88 é excepcionado pelas hipóteses legalmente previstas. Inteligência do art. 4º, § 1º, da Medida Provisória 2.192-70/01. 3. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70010489375, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 30/03/2005)
9. De outra banda, infere-se a possibilidade de a Fazenda Pública auferir valores substanciais caso entenda conveniente e oportuno abrir concorrência pública para que qualquer instituição financeira, seja pública ou privada, explore a exclusividade do pagamento de salários, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta. Alguns Municípios do Estado do Rio Grande do Sul já vem efetuando o pagamento em testilha por meio de bancos privados. O Município de Gravataí foi um dos pioneiros a licitar a folha de pagamento, recebendo significativos valores do Banco vencedor do processo de licitação.
10. Não obstante o exposto acima, o Tribunal de Contas do Estado vem entendendo de forma diversa. No processo de inspeção especial nº 12720200052, instaurado em virtude da Representação n.º 009/2005, o TCE-RS entendeu inconstitucional o pagamento da folha de servidores por meio de banco privado, uma vez que interpretou o aludido pagamento como sendo disponibilidade de caixa, de encontro à interpretação já sufragada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal.
Em razão disso, o TCE-RS editou a orientação normativa veiculada através do ofício circular GP nº 004/2006, o qual dispõe:
“É vedada a transferência da Folha de Pagamento dos servidores públicos à instituições financeiras não-oficiais, tendo em conta o disposto no mencionado artigo 164,§3º, da Constituição, e, em conseqüência, devem ser cancelados quaisquer procedimentos licitatórios, visando à transferência de disponibilidades públicas às instituições financeiras privadas, haja vista que absolutamente nulos, por afrontarem o texto constitucional.”
Dessa forma, em caso de descumprimento dessa orientação, o TCE-RS mencionou a possibilidade de imposição de penalidade pecuniária e de desaprovação das contas municipais.
11. “Data maxima venia”, discordamos da orientação normativa realizada pelo augusto TCE-RS, conforme os motivos elencados alhures, mormente em atenção à interpretação exarada pelo STF no Agravo Regimental na Reclamação nº 3872, julgado em 14/12/2005.
Irrefragavelmente, o pagamento de salário, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta não se confunde com disponibilidade de Caixa.
Outrossim, o próprio Supremo Tribunal Federal já vem entendendo a possibilidade de se efetuar o pagamento aludido através de bancos privados, uma vez que inexistente vedação constitucional ou legal.
12. Por derradeiro, caso a Fazenda Pública queira efetuar o pagamento de sua folha salarial através de instituição financeira privada, impende realizar procedimento licitatório, com supedâneo no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
III. Diante do exposto, infere-se:
(i) a possibilidade de a Fazenda Pública auferir valores substanciais caso entenda conveniente e oportuno abrir concorrência pública para que qualquer instituição financeira, seja pública ou privada, explore a exclusividade do pagamento de salários, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores, ativos e inativos, estatutários, celetistas e temporários da Administração Direta e Indireta;
(ii) subsidiariamente, havia a possibilidade de bancos submetidos a processo de privatização realizam as operações financeiras mencionadas alhures, com fulcro no artigo 4º, §1º, da Medida Provisória 2.192-70/01. Todavia, tal dispositivo legal teve sua eficácia suspensa, tem razão da decisão proferida na processo cautelar ADI-MC 3578/DF.
CURRÍCULO RESUMIDO
DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA
Procurador do Município de São Leopoldo (RS). Especialista em Direito Constitucional pela UNP. Especializando em Direito Tributário pela UNP. Diplomado no Curso Anual Preparatório para os Concursos de Ingresso às Carreiras Jurídicas do Professor Damásio Via Satélite. Diplomado no Curso Preparatório à Carreira do Ministério Público - ESMP (Fundação Escola Superior do Ministério Público - RS). Bacharel em Direito pela PUC-RS. Consultor Jurídico do Município de Gravataí/RS (2006), Assessor Jurídico do Ministério Público/RS (2004/2006); Estagiário de Direito do Ministério Público/RS (1999/2003).
[1] STF, Tribunal Pleno, Rcl-AgR 3872 / DF, AG.REG.NA RECLAMAÇÃO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 14/12/2005, DJ 12-05-2006.
[2] STF, Tribunal Pleno, Rcl-AgR 3872 / DF, AG.REG.NA RECLAMAÇÃO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 14/12/2005, DJ 12-05-2006.