PRINCÍPIOS REFERENTES À PUBLICIDADE EM FACE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Claudia Schroeder Coelho
Os princípios são os fundamentos basilares, no qual parte-se como pressuposto para o estudo do próprio direito. Ofender um princípio seria mais contundente do que violar uma norma.1
É de bom alvitre destacar que, para um estudo mais profundo do Direito Publicitário no que tange o direito do consumidor, mister analisar-se os princípios relativos à esse assunto, visto que a principologia de determinada matéria jurídica é sempre fundamental, em decorrência de serem estes as chaves de abóbada de qualquer sistema ou microssistema jurídico.2
Por conseguinte, cita-se a opinião de Paulo Vasconcelos Jacobina:
Dentre os princípios que regem a matéria, dois são especialmente importantes, vez que se refletem inclusive nos demais, conformando-os. Pode-se dizer, mesmo, que os outros princípios são corolários destes. Por isso, foram denominados, aqui, de sobreprincípios, porque funcionam como verdadeiros alicerces da matéria. São eles: a) Princípio da liberdade – decorre dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência (respectivamente art. 170, caput, e inciso IV). b) O princípio da boa-fé – o conteúdo desse princípio é duplo.Por um lado, visa a repelir o exagerado formalismo romanístico dos contratos, determinando que a literalidade da linguagem não deva se sobrepor à intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível. (...) O segundo sentido é o chamado princípio da boa-fé: colaboração. (...). O certo é que as partes devem, mutuamente, manter o mínimo de confiança e lealdade, durante todo o processo obrigacional.3
Passaremos à análise dos princípios relativos à publicidade no âmbito do Direito do Consumidor. Dividimos os princípios em três categorias, de acordo com as suas peculiaridades, senão vejamos:
2.1 PRINCÍPIOS RELACIONADOS A VEICULAÇÃO DA PUBLICIDADE:
Esta categoria tem como característica comum apresentar as formas de como a publicidade deve ser apresentada ao público. Os princípios que integram esta categoria são:
2.1.1 Princípio da Identificação da Publicidade
O princípio da identificação da publicidade está previsto no artigo 36, caput, do Código de Defesa do Consumidor, ex vi legis:
A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
O Código de Defesa do Consumidor alega não aceitar nem a publicidade clandestina, nem a subliminar.4
Primeiramente, vislumbraremos a publicidade clandestina, que é aquela dissimulada em forma de merchandising em filmes ou novelas, ou mesmo travestida de reportagens ou afins. Tal forma de publicidade é vedada em virtude de dificultar que o consumidor empregue a necessária reserva mental quanto ao anúncio publicitário, tendo a noção de que está diante de uma informação parcial, feita pelo fornecedor para atender seus interesses.5
A publicidade subliminar tem suas raízes nos Estados Unidos, em 1950, quando um cinema de Nova Jersey projetava mensagens subliminares.6
Ambas espécies publicitárias serão estudadas com mais ênfase no próximo capítulo.
Este princípio zela pelo consumidor no que tange a exata noção de que este deve ter que está diante de uma mensagem publicitária.
A veiculação da mensagem publicitária deve ser de tal maneira que o consumidor rapidamente a identifique como tal.7
Como técnica de persuasão que a publicidade é, esta deve reservar o seu poder de convencimento à mensagem, ou seja, o seu conteúdo, devendo ainda apresentar-se de forma ostensiva.8
Neste liame, cita-se Adalberto Pasqualotto:
Segundo a exigência legal, a veiculação da publicidade deve permitir a sua identificação fácil e imediatamente, ou seja, sem esforço ou exigência de capacitação técnica, e de pronto no momento da exposição.
Quando isso não corre, não só o consumidor que pode estar sendo enganado. Também pode haver fraude à lei, pois a falta de identificação possibilita a transgressão de regras como a advertência necessária de restrição ao uso de alguns produtos (cigarros), o horário e o local de exposição do anúncio (bebidas alcoólicas) ou a proporção de publicidade em relação à programação (rádio e televisão) ou noticiário e reportagens (jornais e revistas).9
A publicidade só é lícita quando o consumidor puder identificá-la imediatamente, ou seja, no momento da exposição e facilmente, sem emprego de nenhum esforço ou capacitação técnica.10
Tal princípio visa impedir que a publicidade, muito embora atinja o consumidor, não seja por ele percebida como tal. Na verdade, o princípio em estudo objetiva impedir a publicidade clandestina e a subliminar, que serão estudadas no próximo capítulo.11
Outrossim, surgirão alguns problemas em decorrência deste princípio. Podemos citar o merchandising, já citado anteriormente, que é a divulgação de produtos e serviços inserida em filmes e novelas, por exemplo. Outro problema a ser enfrentado em conseqüência deste princípio é a técnica publicitária intitulada de teaser, ou seja, o anúncio do anúncio. Ambas as técnicas serão analisadas e estudadas no capítulo seguinte.12
2.1.2 Princípio da Veracidade da Publicidade
O princípio da veracidade da publicidade encontra respaldo legal no artigo 37, § 1.º do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva:
§ 1º - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados
sobre produtos e serviços.
Sobre o mesmo tema, convém ressaltar o artigo 31 do mesmo diploma legal:
A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Trata-se de um dos mais importantes princípios da publicidade "e também aquele que tem uma expressão legal mais antiga, mesmo quando o tratamento jurídico da publicidade não ultrapassava os limites da defesa da concorrência leal".13
Os dados presentes na publicidade não devem ser capazes de induzir o consumidor em erro, no tocante às características do que está sendo anunciado.14
Este princípio diz respeito à adequação, entre aquilo que se afirma sobre o produto ou serviço e aquilo que ele realmente é.15
Através deste princípio observa-se que a publicidade deve ser verdadeira, o que estiver sendo anunciado deve ser real, com intuito de proibir a prática da publicidade enganosa, no qual o consumidor é levado por falsas idéias sobre determinado bem ou serviço. Neste caso, podemos citar um produto para emagrecer. Se for anunciado que o produto emagrece em 30 dias de tal forma, realmente o produto deve ter esse efeito. Não poderá ser anunciado, por exemplo, que o produto emagrece 10 quilos em 02 dias se ele não tiver esse poder.
Respalda-se a opinião de Márcio Mello Cassado:
O princípio da veracidade da publicidade encontra abrigo, como dever anexo, no princípio da boa-fé, como norma de conduta.
Objetivamente, mentir ou suprimir informação essencial, é agir de má-fé. Nesta operação, o sistema jurídico não busca a vontade do fornecedor, nem mesmo a do publicitário que elaborou a campanha.16
Através deste princípio, observa-se que a publicidade deve ser escorreita e honesta, seguindo os ditames legais. A apresentação do produto ou serviço deve ser verdadeiro. O princípio em questão almeja manter o consumidor informado corretamente sobre os produtos e serviços. Visa também coibir a publicidade enganosa.17
Diferente do que ocorre com o princípio da identificação, neste princípio em enfoque o que importa é o conteúdo da mensagem e não a sua forma de expressão.18
O substantivo informação pode ser qualificado através de quatro adjetivos, que são "corretas, claras, precisas e ostensivas". Equivale à informação visível fisicamente de imediato, sem qualquer restrição ou grau de dificuldade, mas relacionada com o tipo de produto anunciado. A informação será considerada correta se não tiver qualquer dado errôneo; clara se a linguagem empregada não tenha dificuldade em ser assimilada pelo público-alvo; precisa se determinar quais os dados essenciais relacionados ao tempo, espaço e uso do produto.19
Ensina Walter Ceneviva:
O dever de informar o consumidor é feição nova de direito pré-existente, pois amplia objetivamente (impõe elementos próprios da informação legal) e subjetivamente (atinge pessoas indeterminadas) conceitos integrados do ordenamento jurídico vigente antes do Código. Com a ampliação conceitual, as regras de conduta impostas ao fornecedor tornaram-se mais fáceis de serem compreendidas e, assim, mais simples de serem aplicadas.
A regra geral de informar corretamente impõe uma conduta ao fornecedor. O desrespeito da conduta exigida justifica a queixa do consumidor, atingido pelo dano, o que, em relação à publicidade – na visão restrita relativa ao art. 31 – impõe a aferição objetiva dos elementos do anúncio, na medida em que possam ser compreendidos pelo homem médio. A generalidade das normas do Código tem natureza proibitória em relação a condutas do fornecedor. O art. 31 determina a conduta desejável, apta a provocar dois tipos de intervenção, a contar de seus titulares possíveis.20
2.1.3 Princípio da Não-Abusividade da Publicidade
O princípio em tela está disciplinado no artigo 37, § 2.º do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos:33
§ 2.º - É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Ao contrário da publicidade enganosa, na maior parte das vezes a publicidade abusiva não afeta diretamente o bolso do consumidor, mas agride outros valores considerados importantes pela sociedade de consumo.21
A publicidade não deve conter, por exemplo, imagens de desmatamento, queimadas de florestas e aparecer que tudo isso é bom para sociedade e para a natureza, quando na realidade não é, visto que está menosprezando valores da sociedade, neste caso, o amor à natureza.
Outro exemplo de publicidade abusiva é citado por Márcio Mello Casado, em seu artigo "Princípios Gerais da Publicidade Federal e no Código de Defesa de Consumidor", da uma empresa de leite longa vida, onde figuravam dois personagens: um menino de cor negra, vestido de diabo, e uma menina de cor branca, vestida de anjo. A publicidade foi retirada do ar por ser abusiva, devido ao racismo que encerrava. Mas, além de abusiva, ela poderia ser, ainda, enganosa, caso o produto anunciado, leite integral, não contivesse as características necessárias para ser classificado como tal.22
A publicidade deve zelar pelos valores éticos da sociedade, não induzindo o consumidor a qualquer situação que lhe seja prejudicial. Visto isto, vislumbra-se que através deste princípio em enfoque, colima-se afastar a publicidade abusiva.23
A publicidade abusiva é tomada na lei com muita amplitude, visto que é contrária ao uso normal de usos e costumes. Entretanto, delimita o campo do prejuízo admitido, qual seja referente à saúde, segurança (do consumidor), a paz social ou o ambiente (de todos os cidadãos). O interesse juridicamente protegido é o social, não sendo compatível com a consideração individual do consumidor.24
2.1.4 Princípio da Liberdade
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 assegura liberdade de manifestação de pensamento, criação, expressão e à informação.
Neste diapasão, podemos citar o artigo 220 da Carta Magna de 1988, ex vi legis, que garante o direito à publicidade25:
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV.26
No tocante a este tema, cita-se os ensinamentos de Reynaldo Andrade da Silveira:
Adite-se à afirmação que a livre concorrência é princípio geral da ordem econômica, o que evidencia a regularidade da publicidade como prática comercial válida. Assim, pode o empresariado, livremente, utilizar-se. Ao seu nuto, da publicidade, não estando, entretanto, obrigado a fazer uso dela. As restrições legais impostas são próprias do sistema e nele mesmo estão os limites intransponíveis. Daí decorre a legalidade do uso ou prática comercial de manejar veículos de comunicação com finalidade mercantil.27
Entende-se que o uso da publicidade é uma faculdade, o fornecedor utiliza-se dela se desejar, entretanto, se escolher valer-se da arte publicitária, deverá respeitar limites e condições.
Ressalta-se a opinião de Márcio Mello Casado:
Insculpido no caput do art. 220 e 170, parágrafo único, da Constituição Federal.
A obra publicitária, por se tratar de uma criação e meio de informação, por força da Constituição Federal, não sofrerá qualquer restrição, desde que observe o disposto na Carta Maior e nas demais normas incidentes. Ou seja, só há liberdade na medida em que a lei permitir.
Mas este princípio da liberdade da publicidade nos parece mais enraizado no disposto no art. 170, parágrafo único, visto que a publicidade nada mais é que um meio altamente eficiente da comercialização de um produto, fruto de uma iniciativa econômica.
A liberdade da publicidade decorre da liberdade da iniciativa econômica, diretamente. A liberdade de criação e informação, descritas no art. 220, da Constituição Federal, são um meio de realização do objetivo maior da livre iniciativa, o lucro.
O fornecedor, ao encomendar uma campanha publicitária, pensa nela como o meio de vender o seu produto e não como um simples veículo de informação.28
O princípio da liberdade decorre dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, elencados nos arts. 170, caput, e inciso IV. Já em menor influência, decorre do princípio da manifestação de pensamento, inserido no art. 5.º, IV da Constituição da República Federativa do Brasil e da liberdade de informação, previsto no art. 220 e seguintes da CF/88. Entretanto, deve-se salientar que a publicidade tem caráter comercial e não atividade artística ou informativa, ou mesmo de opinião.29
Não existe liberdade fora ou acima da lei, ou seja, o direito é o limite de toda liberdade.30
O regramento da publicidade não afronta o direito de livre manifestação e criação, posto que não é o direito em si que é regrado, mas sim o seu excesso. A mensagem publicitária, per se, não pode ser considerada manifestação de opinião e pensamento.31
Tal controle justifica-se através do reconhecimento de que a informação que é fornecida pelo anunciante é um mero veículo – parcial – por ele empregado, visando incentivar os consumidores a adquirirem seus produtos e serviços. Não se espera dele mais informação do que aquela necessária para alcançar tal objetivo.32
2.2 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AOS DIREITOS ORIUNDOS PELA VEICULAÇÃO DA PUBLICIDADE
Com o estudo desta categoria de princípios, verificar-se-à a verdade existente na máxima "anunciou, tem que cumprir", ou seja, como deve ser firmada relação contratual
entre consumidor e fornecedor, no que tange à publicidade.
2.2.1 Princípio da Vinculação Contratual da Publicidade
O princípio da vinculação contratual da publicidade está presente nos artigos 30 e 35 do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos:
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
E o artigo 35 aduz que:
Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III – rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente, monetariamente atualizada, e as perdas e danos.
Visto os dispositivos acima, percebe-se que tal princípio obriga o fornecedor a cumprir o que fora anunciado, evitando assim as práticas abusivas e/ou enganosas. O consumidor pode exigir do fornecedor que cumpra o que fora veiculado na mensagem publicitária.34
A mensagem publicitária vincula o anunciante e o fornecedor age na intenção de captar clientela e fazer negócios. Se promete, deve cumprir.35
2.2.2 Princípio da Transparência da Fundamentação da Publicidade
A idéia central do princípio da transparência da fundamentação da publicidade é possibilitar que a relação contratual firmada entre o fornecedor e o consumidor seja sincera e menos danosa. Transparência implica em informação escorreita e clara sobre o produto ou serviço, sobre o contrato a ser celebrado, ou seja, lealdade e respeito nas relações estabelecidas entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual.36
Mister salientar que o fornecedor tem ampla liberdade para anunciar seus produtos ou serviços. Entretanto, deve fazê-lo com fulcro em elementos fáticos e científicos, ou seja, a sua fundamentação.37
Como reflexos do princípio em estudo, temos o dever de informar corretamente o consumidor, através da oferta (publicidade ou qualquer forma de informação suficiente), sobre as qualidades do produto ou do serviço e sobre as condições do contrato.38
Cabe mencionar que o descumprimento do princípio em foco, além da repercussão cível e administrativa, cabe também como ilícito penal, previsto no art. 69, ex vi legis:39
Art. 69 – Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade:
Pena: Detenção de um a seis meses ou multa.
Deparamo-nos com um ilícito doloso, no qual a intenção é relevante. No âmbito civil não se procede da mesma forma, sendo que o aplicador, no reconhecimento de indenizar pelos danos ocorridos, não questiona acerca da boa-fé ou má-fé do anunciante.40
2.3 PRINCÍPIOS RELACIONADOS ÀS MEDIDAS CABÍVEIS PARA O CONTROLE DA PUBLICIDADE
Através desta categoria de princípios, verificar-se-à as medidas existentes para o controle da publicidade, isto é, métodos que o consumidor possui para defender-se (ou facilitar a sua defesa) no tocante à publicidade ilícita.
2.3.1 Princípio da inversão do ônus da prova
O ônus da prova da veracidade e correção publicitária é do fornecedor, visto que o consumidor é parte mais frágil e vulnerável da relação consumidor-fornecedor. Neste sentido, cita-se o artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
Nas palavras de Paulo Vasconcelos Jacobina:
Já foi dito, acima, que a inversão do ônus da prova, em matéria publicitária, é absoluta, diferentemente daquela prevista em termos genéricos, em favor do consumidor, no art. 6.º, VIII, do CDC; esta depende da comprovação da hipossuficiência do consumidor, ou então da verossimilhança das suas alegações.41
Visto as elucubrações acima, mister apresentar o art. 6.º, VIII do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, no qual é um regra genérica, ao revés do artigo 38 do mesmo diploma legal, que é absoluta.
Art. 6.º - São direitos do consumidor:
(...)
VIII – a facilitação na defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
Verifica-se que, para aplicar-se a inversão do ônus da prova presente no art. 6º, VIII, indispensável a presença de dois pressupostos, ou seja, verossimilhança nas alegações ou hipossuficiência do consumidor.
A inversão do ônus da prova, com fulcro no art. 38 do CDC é ope legis, isto é, não depende de qualquer ato do juiz. Não é cabível manifestação sobre ela, seja no saneador, seja em momento posterior.42
Ao fornecedor é possível fazer prova de que seu anúncio não é abusivo ou enganoso. Entretanto, se tal publicidade for considerada como enganosa ou abusiva, é irrelevante que demonstre sua boa-fé, sendo responsabilizado civilmente pelo ato.43
Neste liame, transcreve-se a lição de Adalberto Pasqualotto:
O art. 38, CDC, estipula que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. O que o dispositivo legal faz é uma distribuição ordinária do encargo probatório, não uma inversão, como é comum que se afirme. Isso porque o CDC instituiu o seu específico regime de responsabilidade, que restaria incompleto se o legislador distribuísse os correspondentes ônus. E a atribuição do art. 38 atendeu à natureza das coisas, pois designou o patrocinador da mensagem, vale dizer, o verdadeiro anunciante, como aquele que deve responder pela veracidade das afirmações que a sua própria mensagem contém.
Em verdade, há um rigoroso paralelismo com o sistema comum do processo civil. Estabelece o CPC que o ônus da prova incumbe ao autor quanto aos fatos constitutivos do seu direito e ao réu quanto às circunstâncias impeditivas, modificativas ou extintivas (art. 333, inc. I e II). Na esfera da publicidade, o autor (consumidor), deverá provar a divulgação da mensagem e o seu conteúdo, incumbindo ao réu (fornecedor) demonstrar a veracidade daquele conteúdo.44
Vislumbra-se que o autor fez uma comparação entre o sistema do ônus da prova processual civil e jusconsumerista, concluindo que não há inversão do ônus da prova no Direito do Consumidor, mas sim uma distribuição ordinária do encargo probatório.
Assim sendo, se o juiz verificar que a alegação do consumidor é verossímil ou for ele hipossuficiente, pode (ou melhor, deve), inverter o ônus da prova em seu favor, isto é, o fornecedor será incumbido de provar que não é verdade o que fora alegado pelo consumidor.45
2.3.2 Princípio da Correção do Desvio Publicitário
Quando ocorre um desvio na publicidade, além das sanções cabíveis, tem-se lugar à chamada contrapropaganda, que significa anunciar, às expensas do infrator, objetivando impedir a força persuasiva da publicidade enganosa ou abusiva, mesmo após a cessação da veiculação do anúncio.46
A expressão "contrapropaganda" foi empregada tradicionalmente na política e nas relações internacionais, com intuito de designar informações divulgadas pelas nações ou governos com o fim de contrariar notícias ou as divulgar com versões de seu interesse.47
Deveria ser intitulada de "contrapublicidade". Enquanto a publicidade tem um caráter mais comercial, ou seja, vender um produto ou um serviço, a propaganda tem um cunho político-ideológico. Visto isto, vislumbra-se que erroneamente emprega-se o termo "contrapropaganda", sendo o correto "contrapublicidade".
Cita-se o art. 56 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda
Estas são as sanções administrativas cabíveis, no âmbito de suas respectivas jurisdições, porém o Código ainda distingue três modalidades de sanções administrativas, que são as sanções pecuniárias, ou seja, são representadas pelas multas aplicadas em virtude do inadimplemento de um dever de consumo, as sanções objetivas, nas quais envolvem bens ou serviços à disposição no mercado consumidor e caracterizam-se pela apreensão, inutilização, cassação do registro ou suspensão do fornecimento de produtos ou serviços e ainda as sanções subjetivas, que são aquelas referentes à atividade comercial ou estatal, dos fornecedores de bens ou serviços, no qual equivalem à suspensão temporária da atividade, cassação da licença do estabelecimento ou da atividade, interdição total ou parcial do estabelecimento, obra ou atividade, intervenção administrativa e a contrapropaganda.49
Contrapropaganda seria então, no âmbito da relação de consumo, o equivalente ao oposto da divulgação publicitária, visto a sua destinação de desfazer os efeitos perniciosos detectados e apenados com base no CDC.50
No tocante à este princípio, as lições de Walter Ceneviva:
No CDC não há necessariamente o caráter de contrariedade a informe divulgado pelo fornecedor, mas de manifestação que lhe é imposta, por determinação de autoridade, no sentido de esclarecer o público a respeito de infração administrativa da qual aquele é acusado, relativa à publicidade parcial ou inteiramente enganosa ou abusiva.
Define-se, pois contrapropaganda, na relação de consumo, como a punição imponível ao fornecedor de bens ou serviços, consistente na divulgação publicitária esclarecedora do engano ou do abuso cometidos em publicidade precedente do mesmo fornecedor.51
A contrapropaganda tem caráter de pena administrativa. A divulgação desta não exclui as conseqüências no âmbito penal e civil previstas em lei.52 A contrapropaganda é um meio cautelar que a Administração dispõe para evitar os prejuízos porventura existentes em decorrência da prática enganosa ou abusiva.53 Abordaremos mais acerca da contrapropaganda no próximo capítulo.
2.3.3 Princípio da Repressão aos Abusos Praticados no Mercado de Consumo
Tal princípio merece elucubrações mais alongadas.54
Primeiramente, destaca-se o art. 4.º, VI do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, ex vi legis:
Art. 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(...)
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores.
Tal inciso não tem por escopo trazer para o âmbito do direito do consumidor a tutela da concorrência e da propriedade industrial, mas sim assegurar que as práticas ilícitas nos campos retro citados, na medida em que atinjam os princípios da correção, veracidade e clareza, sejam também reprimidas, visto que ofendem os interesses dos consumidores.55
Visto isto, no âmbito do Direito do Consumidor, não importa o uso irregular de uma marca de comércio, pura e simplesmente, mas interessa na medida em que esse mau uso possa consequentemente trazer prejuízos ao consumidor. Destarte, continua impertinente ao microssistema do consumidor o estudo da concorrência desleal ou da propriedade industrial. O mote deste princípio é a proteção do consumidor contra as práticas, independente de quais sejam, que tragam prejuízo ao consumidor.56
A publicidade pode ser controlada de três formas: por um sistema exclusivamente estatal, por um sistema exclusivamente privado e por um sistema misto.57
O sistema exclusivamente estatal é aquele que somente o Estado pode ditar normas no que tange o controle da publicidade e implementá-las.58
O sistema exclusivamente privado, em oposição ao modelo exclusivamente estatal, caracteriza-se por somente partícipes privados terem voz. Muito embora reconheça-se a imensa importância da auto-regulamentação publicitária, tal regra não vincula todos os operadores, limitando-se àqueles que voluntariamente aderem à tal modalidade de controle. Outrossim, as regras de auto-regulamentação não são regras jurídicas, faltando-lhes a qualidade de generalidade, somente obrigando os aderentes. Opera somente no âmbito normativo interno.59
Em oposição ao modelo de controle exclusivamente estatal, fundado na autoridade, o sistema exclusivamente privado deriva de contrato. Em virtude disto, sua força vinculante é inferior à do modelo público.60
Por derradeiro, temos o sistema misto, no qual surge da composição entre os dois sistemas solitários. Faz da convivência e da competição normativa e implementadora a sua característica mais marcante. Este sistema aceita e incentiva ambas as formas de controle, ou seja, tanto aquele executado pelo Estado quanto o executado pelos partícipes publicitários. Em um só tempo, abre-se espaço para os organismos auto-regulamentadores, tais como CONAR e o Código Brasileiro de Auto Regulamentação Publicitária e para o Estado, através da Administração Pública ou do Poder Judiciário.61
Visto isto, verifica-se que a relação jurídica base protegida pelo direito do consumidor é a relação fornecedor-fornecedor ou empresário-empresário. Somente quando os incidentes fornecedor-fornecedor prejudiquem o consumidor é que interessam ao Direito do Consumidor.62