REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE ÁREAS PÚBLICAS

 

Autor: DANIEL FARIA-CORRÊA

Procurador do Município de São Leopoldo;

1ª edição: São Leopoldo (RS) – 02/04/2009

http://www.fariacorrea.com

 

 

 EMENTA: Direito Civil. Direitos Reais. Direito Urbanístico. Ocupação de áreas públicas. Reintegração de posse.

 

 

 

1. Comumente, áreas públicas são invadidas por populares.

 

2. Conquanto o direito à moradia seja elencado como direito fundamental, o Ente Público tem direito de ser reintegrado na posse em caso de esbulho, bem como ser indenizado por perdas e danos. Para tanto, deverá ajuizar ação de reintegração de posse.

 

3. Com supedâneo nos artigos 1.210 do Código Civil Brasileiro e 926 do Código de Processo Civil, o possuidor tem direito a ser reintegrado na posse em caso de esbulho. Rezam as normas:

 

CC Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

 

CPC - Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.

 

 

4. Maria Helena Diniz[1] assim conceitua ESBULHO:

 

 

“Esbulho é o ato pelo qual o possuidor se vê despojado da posse injustamente, por violência, por clandestinidade e por precariedade. Por exemplo, estranho que invade casa deixada por inquilino, comodatário que não devolve a coisa emprestada findo o contrato. (...) O possuidor poderá, então, intentar ação de reintegração de posse.”

 

 

Leciona Misael Montenegro Filho[2] que esbulho :

 

“(...) representa o desapossamento total ou parcial do bem em disputa, por ato praticado pelo réu da ação possessória, retirando do possuidor a prerrogativa de se manter em contato com a coisa, dando azo ao aforamento da ação de reintegração de posse, cujo objeto é a recuperação da posse do bem, o qual saiu da esfera fático-potestativa do possuidor pela prática do esbulho, resultando na inversão da situação, isto é, o poder passa a ser exercido injustamente pelo esbulhador (FIGUEIRA JR., Joel Dias. Liminares nas ações possessórias. (...) O mandado expedido por determinação do juízo, em face do deferimento da liminar ou da prolação da sentença, é de imissão na posse.”

 

 

5. Maria Helena Diniz[3] assim conceitua AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE[4]:

 

“É a ação movida pelo esbulhada, a fim de recuperar posse perdida em razão de violência, clandestinidade ou precariedade (CPC, art. 926) ( ...) e pleitear indenização por perdas e danos (CPC, art. 921). Se o esbulho datar menos de ano e dia ter-se-á expedição de mandado liminar, a fim de reintegrar o possuidor imediatamente.

 

6.  No que tange à natureza da posse dos ocupantes de área pública, mister referir que o esbulhador de imóvel público é sempre DETENTOR, jamais possui posse. Por conseguinte, o esbulhador de coisa público é mero fâmulo da posse.

 

Ademais, ao Ente Público fica dispensada a demonstração anterior de posse, necessitando apenas comprovar a propriedade. Nesse diapasão, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. BEM PÚBLICO. Estando indicada com precisão a área sobre a qual se busca a proteção possessória, não há que se falar em inépcia da inicial por falta de objeto. Tratando-se de bem público, a posse é inerente ao domínio, não havendo necessidade da demonstração da posse anterior pelo poder público. A ocupação do bem público por particular se constitui em mera detenção, não gerando direitos possessórios. Para haver composse, os direitos possessórios devem estar no mesmo plano jurídico. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70004519450, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Vinícius Amaro da Silveira, Julgado em 22/02/2005)” [Grifou-se]

 

“MANUTENÇÃO DE POSSE. AREA VERDE. POSSE PERMANENTE, DECORRENTE DO DOMINIO, EXERCIDA PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. MERA TOLERANCIA QUANTO A OCUPACAO PRECARIA. DESTINACAO AO IMOVEL, PELO DEMHAB. REASSENTAMENTO EM MELHORES CONDICOES ASSEGURADO. SENTENCA DE IMPROCEDENCIA, NA ORIGEM. APELO IMPROVIDO. UNANIME. (6FLS.)”. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 599100773, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CLÁUDIA MARIA HARDT, JULGADO EM 15/10/2001)." [Grifou-se]

 

Como cediço, o detentor é fâmulo da posse. Sua situação é precária. Segundo Maria Helena Diniz:

 

“FÂMULO DA POSSE é aquele que, em virtude de sua situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação em relação a uma outra pessoa (possuidor direito ou indireto), exerce sobre o bem, não uma posse própria, mas a posse desta última e em nome desta, em obediência a uma ordem ou instrução”.

 

Dessarte, sendo o esbulhador mero fâmulo da posse, não há falar em qualquer posse a ser tutelada em seu favor.

 

7. No que tange o caso em apreço, cabível ainda menção ao artigo n° 1.208 do Código Civil, verbis:

 

“Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.” (meu grifo)

 

8. Outrossim, a  posse de imóvel público somente se legitima mediante concessão, permissão ou autorização. Agora dessas hipóteses, temos esbulho, invasão de área pública de forma totalmente contrária ao direito, a moral e aos bons costumes.

 

9. Na inicial de reintegração de posse, muitas vezes deixa-se de qualificar com maior precisão os demandados, uma vez que tal atividade é difícil e deverá ser realizada pelo meirinho. Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

 

“Em caso de ocupação de terras por milhares de pessoas, é inviável a citação de todas para compor a ação de reintegração de posse, eis que essa exigência tornaria impossível qualquer medida judicial.”  (STJ,  REsp 13.810-0-DF, 4ª Turma, Ministro Sálvio de Fiqueiredo, 21/9/1992).

 

Exigir que o esbulhado identifique os invasores seria o mesmo que denegar jurisdição. A auto-composição dos conflitos foi estirpada e é dever do Estado-Juiz prestar a jurisdição, mediante provocação.

 

10. Nos termos do artigo 921 do Código de Processo Civil imperioso que ao esbulhador seja cominada pena para o caso de nova turbação ou esbulho, em quantia a efetivamente constranger o réu-esbulhador a não praticar novamente o ilícito.

 

11.  Nos termos do artigo 921 do Código de Processo Civil mister que o esbulhador seja condenado em perdas e danos, a ser apurada em futura liquidação de sentença.

 

12. Forte no inciso III do artigo 921 do Código de Processo Civil, deve ser ordenado o desfazimento das construções realizadas sobre a área pública, em especial muros, cercas e edifícios, a quais, em hipótese alguma, serão indenizadas pelo Poder Público.

 

13. Outrossim, destacamos que a imediata reintegração de posse das áreas públicas objetiva, ainda, a preservação das áreas verdes e institucionais, indispensáveis ao correto uso e parcelamento do solo urbano.

   

14. DIANTE DO EXPOSTO, em caso de invasão de área pública, deverá ser ajuizada ação de reintegração de posse, na qual deverá apenas ser comprovada a propriedade do Poder Público.

 

 CURRÍCULO RESUMIDO

 

DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA

 

·         Procurador do Município de São Leopoldo-RS (1º colocado no concurso);

·         Autor do livro PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO ESPECIAL, Editora Núria Fabris;

·         Autor do livro RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL: REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004, em co-autoria com a Drª. Letícia Barbosa Lima de Souza, Editora Núria Fabris;

·         Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP);

·         Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar (UNP);

·         Bacharel em Direito pela PUC-RS;

·         Página pessoal: http://www.fariacorrea.com

 

 


 

[1] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 950.

[2] MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil Comentado e Interpretado. São Paulo: Atlas, 2008, p. 867.

[3] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 950.

[4] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 950.